quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Por uma noite apenas



De repente você vê seus momentos passarem por você como o desenrolar de um rolo de filmes que contém as cenas da sua vida. Isto é relembrar. É mais ou menos assim: num instante você acorda no meio da noite, com um milhão de pensamentos, sensações e recordações que te deixam atordoado; sem assimilar tudo ou compreender o que está acontecendo, você só quer respirar um pouco daquilo e torná-lo algo com sentido.

São risos que chegam sorrateiros, lágrimas, vozes, vento, brisa, e um silêncio que vai entrando. Parece que noutro instante o rolo de filmes se transforma num rolo compressor, plainando tudo que está a sua volta, desfazendo as formas, desconstruindo suas edificações mais sólidas.

Isto te faz perceber que a vida não tem um projeto específico para você, ao contrário do que muita gente pensa. Então você vai se dando conta que a vida é formada pelos acontecimentos que vão preenchendo o tempo e o espaço que o cerca, que os fatores vão se construindo segundo a segundo, no desenrolar do dia, no desenrolar da noite.

Na verdade, não temos o controle e o planejamento que imaginamos ter. De repente, no meio da noite quente, num cruzamento de uma avenida muito movimentada, em um outdoor, eu descubro que preciso de uma coisa que até um milésimo de segundo eu nem sabia que existia.

E no segundo seguinte eu recebo uma ligação que desfaz todas as minhas esparsas imaginárias crenças. Você quer voltar pra casa, mas olha milhares de pessoas ao seu redor e não tem a menor idéia do significado de lar. Isto está tão distante e é tão irreal em seu mundo, que não dá pra definir nem a sensação dessa confusão.

Talvez lar seja o lugar onde estão as pessoas que são sua referência, é o lugar que, quando acabar tudo e não tiver mais nada para ver, é para lá que você quer voltar, é com aquelas pessoas que você vai querer estar. Em dois verbos simultâneos, exatamente como foi escrito.

Quando você passa a noite em claro, muitas coisas aparecem em sua mente, muitos projetos são criados, realizados, e desfeitos no minuto seguinte; saudades surgem em seu travesseiro, falta calor humano em sua pele para completar a sua existência, falta voz de criança para lhe dizer coisas sem sentido, mas que são as coisas mais lógicas e inteligentes do mundo, falta o café da manhã em família.

Acredito que você só possa compreender o significado de uma coisa quando está longe dela, e pode reconstruir dentro de você cada sensação, cada momento, cada tijolo, cada móvel, cada detalhe, e, porque não, cada partícula do que é importante em sua vida.

Olhar pela distância infinita te dá uma perspectiva diferente de como podem ser as coisas, ou de como as coisas podem ser. Depende de como você se prepara para voltar, depende de como está sua saudade e suas necessidades, depende de como você irá se entregar.

Talvez por isso, o sonho do sucesso seja uma prisão que te mantém em cárcere privado de tudo aquilo que realmente importa para viver. Algumas coisas estão começando a fazer sentido. Se eu não pensar muito sobre isso, mas sentir isso, talvez encontre o caminho de casa, e descubra de vez o que significa um lar.

domingo, 15 de novembro de 2009

Intolerância: guerra e paz entre o vestido e a escada.



Ultraje, segundo nossa lexicologia, é definido como "ofensa grave". Quando ultrajamos o outro, com nossas aspirações, com nosso jeito de ser, com nossos anseios?

Recentemente, foi estampado em todos os meios de comunicação o caso da garota que vestiu um micro-vestido para ir a uma aula, em uma universidade no estado de São Paulo, despertando a libido exagerada dos alunos, e que na seqüência passou a ser alvo de exagerada euforia ofensiva por parte de um grupo de pessoas.

Após a confusão e os excessos, a jovem precisou ser escoltada pela polícia para sair do prédio, e ainda assim um coro uníssono continuava a ofensiva verbal.

Logo, começaram os debates nacionais televisionados sobre limites, adequações ao meio, intolerância, preconceito, racismo, violência contra a mulher, e por aí afora. Claro que todo debate é positivo, quando podemos despertar o respeito ao próximo, aos limites, ao respeito da individualidade.

Se a moça do micro-vestido queria se promover, é uma questão somente dela, e de mais ninguém. Criou-se essa delimitação social do adequado ao meio. Quem determina essa baboseira?

Agora, essa moralidade abstrata e virtual de roupa adequada ao local e situação adequada, isso é uma ignorância em extrato virgem. Como pode alguém querer determinar o que eu devo vestir e o significado de cada situação para mim? E mais, como pode alguém querer definir quem eu sou, minha identidade?

Parece-me que alguns iluminados sabem diferenciar o que é ou não é adequado, o que é moral ou imoral? Parece que quando avançamos, estamos na verdade regredindo, como se o relógio girasse ao contrário.

Se eu quero ser provocador, dissimulado, ou discreto, isso eu decido. E em qual momento eu achar conveniente; mesmo sendo inconveniente.

Agora (ou desde sempre) sou obrigado a imaginar que se alguém achar que estou fora do perfil social posso ser linchado, massacrado, extinto?

Então cada um deve se limitar a viver de acordo com as pretensões e opiniões dos outros, e não de seus próprios anseios e convicções?

São perguntas demais para respostas que nem sempre gostamos de ouvir, ou dar. Infelizmente sabemos cobrar o nosso limite, o nosso espaço, o respeito aos nossos pensamentos e crenças; porém, somos mestres em esquecer do que nos cerca e não é nosso, do que está fora de nosso umbigo. Aquilo que é meu é o correto. Aquilo que é do outro, é o fora do padrão.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Só o Simon viu!!!

Jogador Obina, do Palmeiras - foto retirada da internet.

Como são engraçadas as coisas. Acabo de ler uma entrevista do Simon, árbitro polêmico, que anulou o gol legítimo do Obina, domingo, no jogo entre Palmeiras e Fluminense, no estádio do Maracanã.
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É notável como as pessoas são incapazes de admitir seus erros. Mais ainda, dizem terem visto coisas que ninguém mais viu. Nem mesmo os adversários.
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E isto não é só no futebol, estou pensando num contexto amplo. Tudo bem que o ser humano é moldado pelo que o cerca, tem suas falhas, suas imperfeições. Todos, sem exceção são assim.
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Carlos Eugênio Simon, gaúcho, é um árbitro de futebol polêmico. Como todos na vida, acerta e erra. E como muitos, quando erra, não tem a capacidade, a humildade de admitir seu erro. Mais ainda. Disparou: "se a televisão não viu a falta do Obina, eu vi". Já justificando, "se ninguém viu, é porque não deu tempo da câmera filmar, mas que aconteceu, aconteceu!"
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A CBF o afastou até o fim do Campeonato Brasileiro, por considerar haver excessos de erros conseqüentes ao longo dos últimos meses. Contudo, não acredito que seu ato tenha sido motivado por corrupção. Não pela corrupção financeira. Acredito que tenha sido uma falha, um equívoco, talvez pelo excesso, talvez pela pressão, muitos fatores podem ter influenciado. Talvez falta de aprimoramento profissional, reciclagem, estratégia e treinamento que o fizessem estar concentrado, melhor preparado.
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Só que, infelizmente, arbitragem de futebol é algo que muitas vezes prejudica o jogo. E por se tratar o futebol profissional de um negócio financeiro, seus profissionais deveriam ter mais responsabilidade, mais preparação.
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Claro que uma partida de futebol sem arbitragem não teria a menor condição de acontecer, quanto mais de terminar. Só que, acredito eu, um árbitro tem poder demais dentro do campo, o que lhe permite facilmente errar, e prejudicar.
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Esse tipo de erro, que influencia um resultado, não é tolerado nem perdoado na economia global. E sendo o futebol o que é, não sei se podemos considerá-lo profissional. Não é tolerável, rentável, atrativo, um fator externo interferir de forma tão direta.
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Se um time tem a capacidade de marcar um gol e sair vitorioso, em uma partida muito disputada, até mesmo épica, isto é sinal que o espetáculo atinge seus objetivos, e todos ganham com isso, até os perdedores.
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Porém, da forma como as coisas têm acontecido, para todos em geral, sem distinção de time ou agremiação, não podemos chamar isso de profissionalismo. É lamentável.
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Gasta-se tanto com tanta besteira, na área esportiva, por que não criar um sistema inteligente, capaz de permitir que um resultado seja influenciado somente pelas falhas ou brilhantismo dos jogadores? Não acho que esse tipo de falha, a da arbitragem, seja para dar emoção ao jogo, ou mesmo fomentar as conversas de botequim espalhadas por todos os canais de televisão com aquela balela cansativa.
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Pra mim, é lamentável. Não que o Palmeiras não seja campeão por isso, afinal o time não vem jogando nada faz pelo menos um mês. Os jogadores, de repente, perderam a inspiração, o apetite pela vitória, e isso talvez somente eles saibam os motivos. Por outro lado, os adversários estão jogando, alguns muito, como é o caso do Flamengo, talvez hoje o time mais agradável de se assistir.
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Mas penso no campeonato como um todo, como algo maior que as pessoas que o fabricam, e suas falhas grotescas. E são tantas que a questão da arbitragem talvez nem seja parte do conjunto de maiores problemas.
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Mas acredito que deveria haver bom senso. Algo que anda distante de muita gente, e que está fazendo falta nos dias de hoje, nos dias de ontem, nos dias de amanhã. Por fim, quem ganhará o campeonato? Bom, acredito que isto será um mero detalhe para a maioria.

domingo, 25 de outubro de 2009

Era Uma Vez no Oeste - O Filme


Uma das Cenas Iniciais, quando o Harmônica chega a Estação de Trem e é Surpreendido por três "anfitriões"

Era Uma vez no Oeste, filme de gênero faroeste, dirigido pelo mestre italiano Sérgio Leone, foi lançado no ano de 1968, período político conturbado no mundo, de contestações e questionamentos, em vários sentidos.

No Brasil, o Ato Instituional número 5 calava imprensa, opinião pública e até mesmo políticos, que forçados ou por conta própria se exilavam fora do país em busca de novos rumos para a democracia. Ao redor do mundo, a Guerra Fria travada entre capitalismo e socialismo tinha em seus pontos máximos os Estados Unidos e a União Soviética. O engraçado é que naquela época, a atriz Cláudia Cardinale, estrela do filme, era trecho de música até de Caetano Veloso. Tudo se interligava, a água escorria para o mesmo lado.

Apesar de a história do filme se passar bem antes, politicamente o conteúdo do filme, assim como a década de 1960, são retratos que se complementam. Inicialmente, no filme, com a disputa de um espaço de terra que viria a ser, em breve, uma estação de trem, trazendo a modernidade e a prosperidade ao oeste norte-americano.

Cláudia Cardinale interpreta Jill.

Por outro, a violência sem limites, os fins justificando os meios, e a força do dinheiro passando por cima de tudo que se sobrepõe a ela. Em dado momento no filme, o personagem de Gabriele Ferzetti, proprietário de companhia de trens, diz claramente: “Só há uma coisa mais poderosa que a arma...o dinheiro”. Esta talvez seja a síntese do filme, e sua ligação histórica com o momento em que o filme de fato fora lançado.

Contudo, observações políticas e econômicas à parte, trata-se de uma obra prima do cinema, sem dúvida. A música como coadjuvante de cada cena, os diálogos breves, as cenas lentas e desgastantes.


Alinhar ao centro
Famosa e inesquecível cena entre Henry Fonda e Charles Bronson.

É interessante ver a construção arcaica da estação ferroviária, a imperfeição da madeira tanto nas paredes, quanto nos móveis. Um contraste estético com o interior do luxuoso trem, na cena entre Gabriele Ferzetti e Henry Fonda.

Aliás, a cena em que Cheyenne, personagem de Jason Robards entra no trem e liberta o “Harmônica” (Charles Bronson), com ataques inusitados, é de certa forma humorada, diferente das mortes impactantes e sórdidas, no caso da família de Brent McBain.


Jason Robards é Cheyenne.

Num primeiro instante, quando a personagem Jill, interpretada por Claudia Cardinale, percorre a cidade em uma carroça, indo em direção à propriedade do futuro marido, tendo ao fundo a música tema composta por Ennio Morricone, temos a simbiose perfeita entre o rosto da atriz e a perfeição musical, numa das cenas mais belas do filme.

Em outra situação, a música se funde com o olhar dos personagens, atuando na composição de cada cena, no complemento de cada fala, na explicação suave de cada silêncio. E por falar em música, foram compostos quatro temas musicais, um para cada personagem principal. Eles pré-anunciam a aparição de cada ator.

A caracterização dos personagens é outro ponto fundamental. Cada elemento que entra na história não tem sua identificação imediata, nada do que vemos é exatamente o que é. Só com o tempo vamos conhecendo cada um, entendendo suas razões, nos envolvendo com o enredo.

E por falar no enredo, a trama vai se desenrolando aos poucos, sem pressa. As agonias dos personagens são transmitidas para os telespectadores, que muitas vezes ficam aguardando o desfecho da situação, sem aceitar bem o que acontece, ou mesmo não entendendo as razões de cada um ali em cena.



O Diretor do filme, Sérgio Leone.

Contudo, trata-se de um filme atemporal, marcante, que encerra o auge de um gênero cinematográfico sob a perspectiva costumaz. Uniu dois tempos em razões e contra-razões que bem merecem páginas de discussão. Mas aqui, destaco apenas, em poucas palavras, o óbvio e já bem sabido. A importância do filme, a grandiosidade da obra.

Na época, o filme não foi um sucesso de bilheteria, tampouco faturou algum Oscar. Contudo, anos mais tarde, atingiu o status de obra prima, sendo admirado, contemplado, copiado, influenciado. Fez o papel das grandes produções, não no sentido financeiro, mas em sua extensão e plenitude.

Pra quem ainda não viu, independente de ser fã do gênero, encontrará neste filme ao assisti-lo um pouco da história do cinema, da história dos Estados Unidos, um pouco da época de hoje e da Globalização. Daí ser uma obra atemporal. Amantes do cinema, ou não, trata-se de uma obra imperdível.


Material de Divulgação do Filme, relançado em DVD duplo.

domingo, 18 de outubro de 2009

Swat - O Filme

Foto do filme Swat

Trata-se de uma superprodução, recheada de efeitos. Lançado em 2003, não se trata de um lançamento, mas é um filme de ação de primeira linha. Contando com um elenco muito bem escalado, tem em Samuel L Jackson e Collin Farrell, seus grandes astros. O filme ainda tem a participação de Michelle Rodrigues, famosa pela seqüência dos filmes Velozes e Furiosos, Olivier Martinez, LL Cool J, e grande elenco.
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É engraçado ver como esses filmes norte-americanos de ação policial são próximos do que conhecemos por aqui. Policial honesto, policial corrupto, disputa de poder, alguém passando a perna em alguém. São conceitos e valores universais, por isso essas superproduções fazem tanto sucesso; além é claro de criarem um roteiro de ação sem perder o fôlego.
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O que vale, no fim das contas, é a diversão. E aqui neste filme ela está garantida. Desde o treinamento dos policiais, para ingressarem no esquadrão de elite, algo que vimos posteriormente no brasileiro Tropa de Elite, até as perseguições e explosões.

Com o argumento partindo do princípio que um bandido capturado oferece U$ 100 milhões de dólares para quem o libertar da cadeia, inicia-se uma jornada em que inúmeros grupos de bandidos e policiais fazem de tudo para libertar o famigerado e colocar as mãos na recompensa milionária; e, claro, cabe ao grupo da Swat escoltá-lo e mantê-lo preso.
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Contudo, tem uma cena que me chamou a atenção, revendo-o novamente hoje. A cena em que os bandidos usam rifles de alto alcance para derrubar um helicóptero da polícia, fazendo-o explodir ao cair no meio de uma avenida. Muito parecido com o que aconteceu no Rio de Janeiro ontem. E as semelhanças são tantas, que tanto na vida real quanto no filme, aparecem os chefes de polícia explicando que os bandidos têm armamento de alto alcance, para esclarecer como as aeronaves foram atingidas.
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Outra semelhança que vejo, aí estou falando somente no campo da ficção, é deste filme com o longa nacional Tropa de Elite. Claro que reservadas as diferenças tanto de realidade social de cada ambiente, quanto de narrativa cinematográfica, ambos os filmes falam de esquadrões de elite da polícia que passam por questionamentos públicos, revelam a facilidade em se corromper a instituição policial, e os treinamentos intensivos para entrar na equipe.
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Coloquei algumas fotos, todas retiradas do próprio site do filme, pois estão bem convidativas. Swat foi um seriado de grande sucesso nos anos 1970, tinha uma música bem legal, que, acredito, seja conhecida pela maioria das pessoas, e tocava todas as vezes em que a equipe entrava em ação. No longa-metragem a música é mais discreta. Aliás, a trilha sonora não me chamou tanto a atenção. Poderia ter sido melhor explorada. Mas tudo bem, como eu disse, no fim das contas você se diverte, e pra um filme de ação, cumpre muito bem seu papel.
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É interessante como tem sido comum os estúdios hollywoodianos lançarem filmes baseados em seriados de sucesso, independente do gênero. Na maioria das vezes eles têm acertado. E os efeitos especiais, assim como o som, categorias à parte, tem tido participações de grande destaque, dando mais emoção às produções. Desde que o filme tenha efeitos e conteúdo, acho ótimo, vale a pena ver.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

O Trenzinho Caipira - Heitor Villa Lobos

Foto de Heitor Villa Lobos, retirada de arquivo da internet

Será possível explicar a emoção ao se ouvir a música "O Trenzinho Caipira", de Heitor Villa Lobos? É como um estouro de sensações que toca em mim, quando inicia o primeiro apito abafado da locomotiva, quase como soltando um golfo de fumaça, e em seguida embalando lentamente, quase como em câmera lenta e desistindo de sua jornada.
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De repente, noutra golfada, eis que a locomotiva embala, e o trenzinho segue, pronto para desbravar as matas que corta. Nascido em 1887, Heitor Villa Lobos foi o maior compositor de música erudita que o Brasil já viu nascer. Criou e deixou um legado jamais alcançado, com uma qualidade única.
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Iniciado na música pelo pai, com o violoncelo, em 1900 já tocava em cinemas, teatros e cafés. Peregrinou pelo Brasil ainda jovem, tomando conhecimento de ritmos musicais regionalistas, que mais tarde marcariam sua concepção ao criar seus estilos e estéticas, e composições singulares.
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Contudo, o sucesso chegou em vida, ainda novo, sendo consagrado no Brasil com A Semana da Arte Moderna, de 1922; teve a oportunidade de se apresentar ao redor do mundo, como na França, onde morou em Paris, na Itália, nos Estados Unidos, em Israel, na Argentina, na Colômbia, dentre tantos outros lugares que o receberam como gênio, e enalteceram seu nome e obra.
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Acusado por alguns de ter apoiado o golpe militar do governo Getúlio Vargas, teve atuação política sim, contudo através de sua música e de inúmeros projetos ligados a ela. Era natural que qualquer governante, dada a envergadura do Maestro, querer uma aproximação.
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E Heitor correspondeu, pois tinha grande interesse na divulgação e extensão de seu trabalho. Daí o governo ter patrocinado inúmeros projetos do músico, que viajava incessantemente divulgando seu trabalho. Em seguida recebe o título de Doutor Honoris Causa, pela Universidade de Nova Iorque, saindo, em seguida, por uma turnê nos Estados Unidos. Lá foi considerado "o maior compositor musical das Américas", colocando seu prestígio num patamar jamais alcançado até então por um músico brasileiro.
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Teve um câncer no estômago diagnosticado por volta de 1948, e, após uma cirurgia de emergência, passou a ter uma vida mais regrada. Morto em 1959, deixou uma vasta obra com mais de 1500 composições.
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Dizia ele sobre a própria obra: “Sim, sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha música eu deixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil. Eu não ponho mordaça na exuberância tropical de nossas florestas e dos nossos céus, que eu transponho instintivamente para tudo que escrevo.”
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O Trenzinho Caipira...
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Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade noite a girar
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra,
vai pela serra, vai pelo mar
Cantando pela serra do luar
Correndo entre as estrelas a voar
No ar, no ar…

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Tecnologia versus Entretenimento


Acompanhando a programação da TV a Cabo, em sistema digital, estou imaginando o que a tecnologia está disponibilizando ao público. Em questão de tecnologia, pode até ser que tenha melhorado, diversificado, e a idéia de poder ver tv, vídeo ou acessar a internet de qualquer lugar com pequenos aparelhos me agrada sim.
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Contudo, vejo que a qualidade da programação é que está defasada. Seja em qual mídia for. Com tanta capacidade variada para se trabalhar, pesquisar, explorar, por que será que tem gente que vive ainda hoje preso ao passado?
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Claro que há modernidade, há coisas positivas, mas parece-me que o crescimento da qualidade das produções não acompanhou o crescimento do desenvolvimento de novas tecnologias. Felizmente, artistas podem hoje gravar e divulgar suas músicas, filmes, livros com mais facilidade do que no século passado. E quando você garimpa as produções, encontra sempre coisa muito boa.
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Só que, por outro lado, há regimes e ideais arcaicos, empoeirados e com teias de aranha, que não se dão conta do quanto são retrógrados, ignorantes, contrários à realidade. Quero apenas a oportunidade de escolha, mas de escolhas com qualidade. Parece-me que as pessoas não buscam se formar mais com louvor e conhecimento.
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Hoje, as pessoas acessam a internet, enviam e recebem e-mails, possuem uma conta no twitter e acham que são usuários avançados de informática. É muito pouco, ou quase nada. A impressão que tenho é que até o pacote office está ficando de lado. Quantos sabem, de fato, usarem o power point e o excel?
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Não quero fazer o tipo pessimista, nem lamentar as coisas. Pelo contrário, sou um entusiasta de tudo que acontece de novo, e acredito piamente que toda tecnologia disponível hoje deve estar voltada para que nós possamos nos aprimorar profissinalmente, e nos aproximarmos dos outros, melhorando nosso convívio social. Vamos testar as tecnologias e utilizá-las da melhor forma. A comunicação jamais será a mesma, espero que nem nós.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Às vezes...

Ás vezes é bom somente ficar ali em seu canto, ouvindo as músicas que se gosta, curtindo um momento seu sem se importar com mais nada. Estou ouvindo Amy Winehouse agora, pensando que as possibilidades da vida estão aí, e nós muitas vezes temos que fazer escolhas, decidir por qual caminho seguir, e isso significa não seguir por outra estrada.
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Ainda está chovendo, aliás choveu tanto essa semana que estou me sentindo meio embolorado. Daqui a pouco preciso organizar minha agenda de trabalho, e o lado bom disso é ocupar a mente. Acho que a grande vantagem de se trabalhar não são as conquistas, mas o fato de nos empenharmos em algo, e fazer desse algo nossa jornada.
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Será que vale a pena ir registrando tudo num diário de bordo? Pode ser que daqui alguns anos eu não queira me deparar com os dias que se passaram. Ou quem sabe eu nem me lembre deles. Melhor seria se eles rissem pra mim ao longo do tempo, nos fios de cabelo branco que começarem a aparecer.
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Andança, vida, é tudo isso aí mesmo. Fico aqui agora, curtindo meu som, meu silêncio, o frio e a chuva que me confortam.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Assuma o controle daquilo que você quer ler, ouvir e assistir!!

Vírus H1N1. (Foto retirada da internet)

Aproveitando mais um momento de insônia, um pouco de gripe e cansaço, estou pensando em escolhas possíveis. Se você precisa ficar um pouco em casa e repousar, não será na TV que será possível encontrar consolo. A TV aberta de hoje tem se mostrado sem nenhum conteúdo. Seja informativo, seja diversão. Nada se aproveita, tamanha superficialidade da sua programação. Aliás, uma programação arcaica, voltada para o passado, repetindo as mesmas piadas e formatos de programa de trinta anos atrás.
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Por outro lado, a TV a Cabo dá um pouco mais de possibilidades ao telespectador, seja por oferecer mais canais com programações específicas, seja porque o conteúdo é um pouco mais selecionado, um pouco melhor elaborado. Mesmo assim, existe uma escassez. Tanto, que é possível você assistir a um programa dezenas de vezes. Você encontra um documentário e, se ficar conectado àquele canal por muito tempo irá decorar as falas dos narradores, de tanto que assistirá ao mesmo conteúdo.
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Já a internet é mais democratica, diversificada, pois permite que você administre aquilo que interessa. Claro que tem muito conteúdo descartável, desprezível, mas por ter uma maior variedade, tem mais possibilidades. Mas se você não encontrar um único veículo de comunicação ou site que lhe interesse, crie um blog, coloque gadgets interessantes pertinentes aos seus interesses particulares, assuma o controle do que quer ler, do que quer ouvir, de quais vídeos quer assistir. Faça de seu blog seu espelho, seja egoísta dentro dele, e coloque somente aquilo que lhe convém.
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Contudo, este momento transitório das mídias e internet, em geral, é muito promissor. Nos faz imaginar que em pouco tempo teremos uma programação totalmente integrada, seja via computador ou smarthphone, ambos fazendo funções múltiplas.
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Pelo fato de integram TV, escola e cursos variados, bancos, compras em geral, rádios, vídeos, fotos, jornais, vídeo-conferências, uma verdadeira viagem que permite te transportar para qualquer lugar, em qualquer idioma, sob qualquer paisagem ou trânsito caótico, sou um otimista e entusiasta das novas tecnologias disponíveis. Se imaginarmos as transformações sofridas nos últimos dez anos, podemos sim imaginar que os próximos dez anos serão ainda mais ricos em questão de conteúdo, de praticidade, de segurança.
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Fazendo uma breve regressão, quando se iniciaram as vendas pela internet, as pessoas olharam com muita desconfiança, tanto pelo medo de não receber as mercadorias compradas, quanto pelo fato de pagar suas compras com cartão de crédito, expondo todos os seus dados e documentos pessoais numa rede em que tudo parecia incerteza.
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Não demorou muito para que a grande maioria percebesse que se tratava de um sistema seguro, prático, e que em muitos dos casos permitia aos compradores fazerem escolhas e pagar menos por um produto, identificando lojas e marcas com preços menores e de boa qualidade. Ao mesmo tempo, em caso de dúvida sobre o produto, o serviço prestado ou a respeito da empresa, basta acessar alguns sites e se inteirar do assunto.
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Num outro panorama, empresas que haviam inventado seu negócio de acordo com as regras do século XX, estudando formas de contato direto, face to face, junto aos clientes tiveram que desmanchar todos os seus conceitos e formas de produção, para se adequar a velocidade e exigências do século XXI. Os clientes passaram a exigir mais, a escolher mais, e a se antecipar às novas tendências e lançamentos do mercado, e cobrar isso dos fornecedores, das lojas. Afinal, alguém tem que oferecer aquilo que você deseja. Isto sem falar que as novas gerações estão cada vez mais ansiosas por novidades, produtos interativos, que não tenham apenas uma única função em específico.
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Como disse, sou um entusiasta das novas tecnologias. E em tempos de gripe suína, fazer minhas compras e pagar minhas contas pela internet é muito mais seguro do que pegar uma fila ao lado de pessoas que eu não sei se lavaram as mãos de forma adequada, ou se carregam algum virus que, de fato, possa me contaminar.

domingo, 2 de agosto de 2009

Um Momento

Neste domingo, dia 02 de agosto, estou revendo o baú das memórias literárias. E decidi colocar outro conto, "Luzes da Ribalta", aqui em meu blog. Assim como "A Crônica que nunca Escrevi", este também faz parte do livro "Janelas para Babilônia".
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Estou re-organizando os contos, e até mesmo arriscando algumas novas linhas de outras narrativas que pretendo acrescentar. É meu laboratório para escrever num espaço menor, e num tempo simultâneo entre as histórias. Você dimensiona uma situação, e foca sua atenção nela, sem estender demais para outros assuntos. Pelo menos, é assim que gosto de escrever os contos. Concentrado no momento, em uma situação mais singular.
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Sempre gostei da idéia do conto. Dos primeiros em que li, Machado de Assis foi leitura obrigatória. Depois, Guimarães Rosa, Júlio Cortazar e Anton Tchecov. São referências que recordo, no sentido de leitura; boas referências, por sinal, não pelo fato de serem escritores de renome internacional, mas por terem estilos particulares, diferentes, e acho que esse pequeno grupo se completa quanto ao assunto conto literário.
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Voltando ao meu texto, trata-se de um momento. Um pequeno e particular momento em que uma prostituta tem antes de iniciar seu "serviço". O que se passa em sua cabeça? Recordações, reflexões do que está fazendo ali, saudades. Espero que apreciem a leitura abaixo.

Luzes da Ribalta

Um risco de lágrima na pouca maquiagem sobre o rosto impossibilitava concluir o trabalho daquele momento; apoiou contra a face o dedo indicador na altura da boca, e foi subindo sutilmente até os olhos, fechou-os. Faltava pouco para o que ela chamava de “batente”. Balançou a cabeça, não resistia àquele disco do Roberto Carlos, eu choro mesmo, quando eu ouço essa música, dizia ela, engolindo alguns soluços. Todo início de noite era a mesma coisa.
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Única recordação de casa, lembrou do filho, dos pais, das irmãs. “Hora do batente, hora do batente!” Seu ponto era o mesmo, a esquina da banca de jornal com a padaria, quase cem metros da portaria do prédio.
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Já vestira o vestido curto de couro sintético, vermelho com alças, acima dos joelhos. Longo demais, em comparação ao das outras meninas. Não gostava muito das pernas, tentava escondê-las, pois acreditava já ter passado da idade. A meia era quase branca, sobre a mesa os brincos de argola, se olhou no espelho, lugar à sala que considerava o camarim. Havia duas lâmpadas acima, refletiam direto ao rosto, sentia-se uma atriz. Iniciou outra do Roberto, soluçava. Recordava o rapaz de sua cidade; “por que não me casei com aquele desgraçado, meu Deus? Por quê?”
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Percebeu o rosto um pouco inchado, olhos quase vermelhos e embaçados, colocou os brincos e esboçou um sorriso tímido, disfarçando-se para si mesma. Mais outra lágrima escorreu-lhe os olhos. E com a voz em soluços abafados, tentava acompanhar, “do tipo que ainda manda flores, apesar do velho tênis...e da calça desbotada, ainda chamo de querida namorada!”.
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Veio-lhe a imagem de Atílio, era dele que gostava; ele, o mesmo que foi ao portão de sua casa, o mesmo que a levou para passear na boléia do caminhão, o mesmo que ela desprezara.
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Na estante marrom, desbotada, envelhecida e coberta de poeira, o relógio acusava mais uma hora. Gostava do relógio, comprado no camelô, rosa. Também havia foto do filho, num porta-retratos de plástico preto com detalhes em flores contorcidas e prateadas.
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Sentiu um aperto com o peso da solidão, a hora do trabalho aproximava, talvez para distraí-la; na realidade já deveria estar lá; “as meninas já devem estar sentindo minha falta”!
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Tirou os brincos, veio a imagem da companheira que a abandonara; nem tanto pelo aluguel, com quem dividia, mais pelas conversas que iniciavam lá pelas cinco da manhã, quando terminavam com o último cliente e subiam o prédio pela escadaria, em geral levemente alcoolizadas. A colega fora para o Rio de Janeiro, dançar em boate de Copacabana, estava melhor lá, dizia; “os gringos todos vão para lá, meu bem, fuck me dóllars”. Ela, nem pensar. Ficaria ainda mais longe do filho e dos pais.
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Sequer os visitava, mas acreditava estar perto o suficiente para se tranqüilizar. Se ao menos encontrasse uma boate, dançarina virava mais dinheiro. Mas as coisas estavam em crise, assistia ao fim da tarde ao jornal televisivo; adorava a voz do presidente, achava-o sensual. Felizmente (ou não) aquele dinheiro suado que ganhava pagava o aluguel, a comida, as bijuterias e perfumes que comprava a duras prestações com a moça de nariz fino e voz engraçada. Sobrava algum para mandar ao filho, era pouco.
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A pizza esfriava sobre o fogão, não tinha tanta fome, mas era preciso, alguns clientes a exigiam demais, às vezes reclamava às companheiras. Sabia também que na sua idade estava ficando galinha velha. Seios caídos, rugas nas pálpebras, o antigo problema com as pernas, “finas demais, até a bunda fica estranha. Sem grana pra plástica, realmente a coisa tá ficando difícil”.
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Teria que comer sozinha, estava atrasada e se observava no espelho; usava cílios e unhas postiças. Adorava os programas de final de ano, tudo para ouvir Roberto Carlos, “ele também é lindo”. Parecido com o seu Atílio, ou com o pai, ou com a fantasia que fazia para o filho; era o símbolo do círculo que a cercava. “Ainda falta tanto”.
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“Calabresa?!” Não queria comer; por ela, ficava ouvindo aquelas músicas até o amanhecer. Não as ouvia em tom alto, havia criança nova no apartamento ao lado, de olhos brilhantes, iguais aos do seu quando nascera.
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A música a impedia continuar, terminou de comer uma fatia. Não era o suficiente, forçosamente deu mais mordidas noutro pedaço. Voltou ao “camarim”. Tinha que terminar a maquiagem, algumas das meninas com certeza já tinham embarcado nos primeiros afetados, como elas costumavam dizer.
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Foi obrigada a reforçar o pó-de-arroz, sempre precisava esconder aquela “cara feia de chorona”. Era sentimental, pesou novamente a solidão. Talvez convidasse alguma para dormir com ela; tinha cama vazia, alguma comida na geladeira, também cerveja gelada, meia garrafa de conhaque e outra de rum, acaso fizesse frio. E o principal, sua vitrola com o disco que trouxera como recordação.
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Correu para a janela, tentando identificar quais ainda estavam lá. Era primeiro andar. Viu Aninha Buracão; chamou-a, esta não ouvia. “A Geni também, e a Pérola Negra, metida”! Gritou, ficou ruborizada pela atitude, Buracão percebeu. “Você não vai descer, não? Já perguntaram por você. Desce logo, menina!” Acenou com a mão, correu para o espelho.
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Da gaveta tirou a pequena bolsa; levava batom, lápis, preservativos, pois era instruída pela assistência social de uma comunidade filantrópica; também carregava um punhal, que nunca usara. Papel, caneta de brinde, uma pequena agenda, moedas, cartão telefônico, outra caneta, uma toalha de rosto, um lenço, cartão de advogado, às vezes precisava de doutor pra se safar de carrerão de polícia, uma pequena foto do filho e uma medalha de Nossa Senhora, “pra me proteger”.
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Antes de levantar, quis permanecer mais. Ficou a olhar a foto do filho, com certeza estava maior que ali. Fixa, sequer importou com clientes que a esperavam, se é que a esperavam. “Que esperem, maldição!” Não tinha notícias de casa, devia descer e ligar pra eles, saber das coisas. Esperou que terminasse a música. Não havia tempo para virar o disco. A janela podia deixar aberta, apagou a luz que ficava acima do espelho, apanhou a bolsa e foi.

Escrito por Alberto Granato

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Reflexões sobre a Educação no Brasil


O texto que virá a seguir foi escrito há, pelo menos, cinco anos. Infelizmente, a situação da educação no Brasil é sim das piores. Possímos uma desordem na organização, nos conteúdos, na proposta educacional, no quadro de professores, na estrutura oferecida, no material didático utilizado, na fiscalização da estrutura que está implantada, nas políticas públicas e privadas.

A partir deste texto, iniciarei uma reflexão sobre as condições da educação, e farei algumas sugestões para melhoria. Longe de mim querer apresentar uma teoria salvadora. Apenas convido a todos para fazer algumas reflexões e buscar uma postura diferente.

Também falarei da interação que a tecnologia e a internet oferecem para a educação, como elas dinamizam e maximizam o aprendizado de forma positiva e eficiente.

A Educação, o Educador e o Aluno


Estudos realizados recentemente sobre índices de educação no Brasil revelam o que todos estão cansados de saber; o país está entre os piores níveis de ensino do mundo. Apoiado em estatísticas assustadoras, o ensino foi colocado em cheque para revelar quais as maiores deficiências e carências de uma estrutura tão improdutiva.

De início, sabe-se que a região Nordeste tem a maior concentração de analfabetismo, tendo Alagoas uma situação em que aproximadamente 50% da população não sabe escrever o nome da cidade em que vive. Numa região dominada por coronelismos, parece haver pouco-caso relacionado à alienação de massa. Uma infeliz observação quando se sabe que o acesso ao estudo estabelece uma relação mínima entre o indivíduo e sua participação diante da sociedade.

Comparado ao ensino de países europeus, por exemplo, percebe-se que o brasileiro não sabe interpretar um texto ou, simplesmente, um enunciado. Um país sem consciência crítica é um país sem argumentos. É preciso esclarecer que o aluno europeu tem uma carga horária de aulas equivalente ao dobro da brasileira.

No Brasil, as escolas públicas funcionam como um suporte para a alimentação. São crianças e adolescentes em busca de um pão com leite e arroz com feijão. Mas isso não é regra. Há, ainda, casos de desvio de verbas de merenda, material didático, material de construção. E pior, casos em que falta a própria escola.

Se o objetivo fosse apontar os problemas, seria necessário escrever milhares de páginas em relatórios intermináveis. Por onde começar então, numa situação surrealista? Pela vocação talvez fosse uma razoável idéia. Cada indivíduo carrega consigo uma parcela de responsabilidade. Fazer é sempre a melhor situação; dias de discussão quando transformados em horas de serviço parecem render mais.

Infelizmente, o que se observa é um número sem fim de professores sem motivação ou inspiração, cansados e conformados. Talvez não sejam culpados únicos, não foram instigados a pensar, ter consciência crítica ou produzir. O sistema educacional é permanente, expansivo, ainda que retroativo no Brasil, em muitos dos casos.

Seria o caso de uma demissão em massa? Contratar outra massa que, sequer distingue escola e escolha? Para formar bons profissionais, despertando interesses, é preciso modificar a consciência, é preciso se envolver, é preciso estar disposto. O profissional tem que fazer a sua parte, porém, não sozinho. O aperfeiçoamento e estímulo devem partir, também, de outras fontes. Dos gestores, responsáveis pela administração pública. Palestras e cursos devem se tornar aliados da criatividade do educador. Teatro, música, dança, feiras de ciências e debates, por exemplo, são meios que apresentam resultados rapidamente. Projetos como a Rádio na Escola, desenvolvido na cidade de São Paulo, envolve alunos e comunidade, o intercâmbio é fundamental.

Neste projeto, em específico, algumas escolas conseguiram doação de material como caixas de som, aparelho de CD e organizam uma programação cuja responsabilidade é do aluno. Eles são treinados por estagiários de cursos de Rádio e Tv, de diversas universidades que aderiram ao programa e, daí em diante, os própios alunos assumem o comando. Uma programação variada que vai desde música até programas informativos, reservando lugar para alunos-artistas expressarem seus talentos. Na cidade de São Paulo espera-se que até o fim de 2003 cerca de 100 escolas tenham rádios organizadas por seus estudantes.

Com a juventude transviada é necessário articular, dialogar, trocar. O profissional, primeiramente, precisa estar ciente das dificuldades. Então se perguntar qual o melhor meio de atingir os alunos, porém consciente que a sala é composta de pessoas tão ou mais desesperançadas que ele. Infelizmente, a maioria aceita o não-fazer. Não fazendo demagogia, um país em que metade de sua população não produz, pensa ou participa, é assinar atestado de estagnação. Reflete diretamente no seio da economia. Por fim, perdemos todos.

domingo, 19 de julho de 2009

A minha madrugada - do harrison ford a internet


Cresci ouvindo e lendo que as madrugadas são um momento de criação único. E que tão bem rimam com solidão, destruição e escuridão. Por mim, não vejo nada de criativo nisso, e vez ou outra fico me perguntando: mas será assim mesmo? Estou pensando agora se sou um companheiro da madrugada, ou se a madrugada é minha companheira. Enquanto vou ouvindo música e lendo algumas coisas (algumas até interessantes, mas como tem porcaria por aqui pra ler), vou aproveitando pra me atualizar sobre coisas diversas (que piada!!), tentando fazer das minhas horas insones algo produtivo.
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Não me perguntem o que é algo criativo. Descobrir uma música nova, uma reportagem interessante, um vídeo instrutivo, ou nada disso. A televisão é bossal na madrugada, não consigo imaginar que alguém possa ligá-la. A não ser notívagos ou madrugadores masoquistas, como eu. Entre uma reportagem de coleção de bonecas, na TV, e um conjunto de música gótica fazendo lançamento na internet, prefiro escrever.
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Harrison Ford fazendo propaganda sobre preservação de animais, aí já é demais pra mim. Vou desligar a tv e ficar só com o computador. Ainda bem que existe a internet. Pra ocupar a vida dos desalmados insones. Ouvindo It´s not my time, do 3 doors down, resolvi prestar atenção no que a música está dizendo: o cara vai se afogar, ele quer que ela a salve, porque ainda não é a hora dele ir. No clipe, começa com o cara se jogando do topo de um prédio, e depois praticando base jump ao longo de todo vídeo pra evitar que uma mulher e uma criança, dentro de um carro, colidam com um caminhão, o cara é uma espécie de um anjo protetor.
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O mais engraçado é que hoje as coisas são assim mesmo. Sem o menor nível, sem o menor sentido, e todo mundo se achando gênio, se achando demais, ou se achando de menos. Pra ambos os casos temos solução. Para os insuperáveis gênios, os prazeres solitários e as legiões de bajuladores, seguidores. Para os depressivos inferiorizados, os estimulantes, os benzodiazepínicos, os grupos anônimos e as igrejas evangélicas.
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Mas, voltando a mediocridade em que as coisas se encontram, vejo um grande exemplo nas propagandas televisas exibidas hoje em dia. Tratam o telespectador como débil. Tudo bem que todo mundo já está sabendo que ninguém mais presta atenção nas propagandas, mas como o nível pode cair tanto? Diferente dessa pobreza criativa, as propagandas pela internet estão, aos poucos, tomando um lugar interessante.
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Capazes de criar uma imagem real e permitir que cada um se aproxime dos detalhes que mais achar interessante, os vídeos em 3D e animações estão começando a interagir com o público. E você tem a possibilidade de ver, rever, mudar o ângulo, a cor, etc. Aqui no Brasil já tem algumas coisas interessantes, muita gente criativa, também alguns sites dos Estados Unidos e da Europa, e até do Japão.
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Ao contrário, não vejo mais como a televisão pode inovar, nem nos rostos, nas vozes e nas bundas. Está sendo a mesma desde os anos 1980, e, como saí da infância para a adolescência no final desta década, estou enjoado desse formato repetitivo, sem interação, congelado. E agora com o excesso de cirurgias plásticas e recursos tecnológicos, se a tv mostrar um close em uma bunda, pode ser a de qualquer uma, ou a de todas, ou a de um robô-andróide, pois está tudo igual, siliconadas e bronzeadas artificialmente, e re-desenhadas pelo computador.
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Ou seja, continuamos com a banalização do corpo, pra aumentar o ibope, só que vendendo corpos hi-tech de andróides. E nos apaixonamos por eles, o que é pior. Buscamos de forma tão exagerada a perfeição e a satisfação pessoal, que já não importa mais se a pessoa ao lado, ou do outro lado da tela (seja do computador ou da tv) seja real, ou um sistema programado para se comunicar comigo de forma inteligente artificialmente.
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A solução ideal seria a de que se ao invés das empresas de cosméticos nos vendessem produtos para nos deixar jovens pelo resto da vida, elas nos entregassem um software no qual pudésemos instalar em nosso corpo e ir nos retocando pelo computador, fazendo downloads e atualizações, seria muito melhor. Descobriram um novo formato para seu nariz, para implantá-lo clique em "fazer atualizações", e pronto. Com um clique e estamos maravilhosos, em forma, jovens, modificando a cor dos olhos como que troca de descanso de tela e papel de parede, e com tudo que há de mais moderno e atual no momento, versão 5.1.
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Quando escrevo, quero deixar bem claro aqui que não estou me referindo a ninguém em específico, nem mesmo a um ou outro grupo, muito menos criticando, etc. Só estou tentando dizer pra mim mesmo o que estou vendo ao meu redor. E talvez minha vista, na madrugada, esteja um pouco embaçada. E entre os vídeos Fly, da Vanessa Camargo com o Ja Rule, Mr Carter III, do Lil Wayne com o Jay Z, Broken Hearted Girl, da Beyonce, e Rehab com a Amy Winehouse e o Jay Z, vejo um faixo de luz vazar pelo vidro da cozinha. Hora de tomar um café, pra esquentar, porque está um pouco frio por aqui e ainda não sei que horas tudo começa e por qual caminho devo ir.


sábado, 18 de julho de 2009

Espaço Literário - Adentro Avanti



Estou utilizando este espaço para publicar meus devaneios literários. Começo com o conto "A crônica que nunca escrevi", de 1998. Não sei ao certo porque iniciar com um texto escrito há tanto tempo, mas sei que este conto tem muita importância para mim. Foi a partir dele que pude dimensionar, no meu imaginário, a relação tempo versus espaço dentro da construção literária.
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Logo, me dei conta da importância de escrever histórias curtas, ou breves. E como elas podem ser interessantes e divertidas. Então, passei a escrever contos quando não queria me prolongar ou até quando estava com preguiça de escrever. "A crônica que nunca escrevi" mostra a agonia de um jornalista em um momento improdutivo. Se passa em um apartamento, no centro de São Paulo, e é narrada pelo próprio personagem, que, pouco a pouco, vai revelando os motivos de não conseguir se concentrar para escrever. Alcoólatra e abandonado pela jovem esposa, ele encontra em seu fiel amigo e gato, Cachimbo, um confidente inigualável para suas noites de bebedeira.
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Recebi alguns prêmios por este conto, o que me incentivou a criar um conjunto de histórias no mesmo ambiente. Na verdade, do apartamento em que se passa esta situação, resolvi percorrer as escadas do prédio, invadindo os apartamentos dos vizinhos, ou mesmo entrando pela janela, sem ser convidado. Como resultado, surgiu o livro "Janelas para Babilônia", que pretendo publicar em breve.

A crônica que nunca escrevi!!



A madrugada já havia invadido a noite, talvez num estupro. Eu me acomodava na mesma velha cadeira marrom dos últimos anos, solitário como a Lua. Um cigarro numa das mãos, noutra o copo servido do velho uísque com gelo, tirado da garrafa vermelha. No terceiro andar, meu refúgio taciturno. Repouso noites a fio, tentando não encontrar os mesmos rostos medíocres e hipócritas que perambulam às ruas imundas, acompanhados de falsa modéstia e cinismo. Apesar da pintura desgastada, é um apartamento razoável, o suficiente.

A velha máquina de escrever na mesa, o carro e as teclas desgastados, vez ou outra enrosca no j ou m; não vou aderir a esta tecnologia imperialista. Sei que dizem ser ignorância, falam da globalização, me chamam de casmurro, que se danem todos.

Ao fundo, na parede também velha, a janela permite a vista da avenida, sempre movimentada e mal pavimentada. Nas manhãs, é por ali que o sol invade. A correria diária se prolonga às tardes como diarréia, pernas mazeladas percorrendo caminhos esburacados. As noites se repetem em amiúdes desgraças.

Às vezes me é possível observar prostitutas e transexuais quase desnudos, talvez perfumados com algum sabonete barato, condensado a cheiro de escarro e esperma. Logo se confundem com marginais, vendedores ambulantes e tiras fardados ou a paisana correndo atrás de cheiradores de cola e de crack, “cobrando pedágio”.

Logo olhando pela indiscreta janela, lembro do mestre do suspense, envolto num grito abafado e silencioso, misturado ao hálito quente na voz rouca que eu tanto..., perdão, os lábios enormes e carnudos que mordiam meu corpo. Sem que se esforce para perceber, tudo ao redor é carregado de passado. Talvez também eu o seja, se tanto, basta olhar os cabelos grisalhos ou as rugas que cercam os olhos deformando o rosto.

As mãos firmes, apesar do pesar dos tempos, nem apanharam o papel quando vozes alteradas e tensas se acusam. Levantei da cadeira, tranqüilo, em direção à janela. Dois homens discutindo e se apontando. A cena, ímpar; dois carros, vidro macetado no chão e lataria afundada. Questionavam o de sempre.

Alguém de fora aproximou, tentou dar razão a um, ao outro, nada. Por fim, a situação parecia controlada, perdi o interesse no caso. Voltei à velha cadeira, a fim de escrever a crônica do dia. Não tinha o que escrever; o gelo quase derretido, o uísque quase todo bebido e o cigarro já apagado; eu estava decadente. Era necessário me recompor, acender outro cigarro, servir mais bebida, se é que restara, e acrescentar gelo.

Novamente fui ao pequeno bar no canto direito da sala, quase de frente à janela, e me servi. Não precisava escolher, o mesmo velho uísque da garrafa vermelha parecia ser a única ali, ainda que existissem outras. Disposto a beber até o último gole, fui esvaziando a garrafa. Ainda se podia ouvir as discussões, mas espera, não me interessava olhar novamente. Caso acontecesse, acabaria o uísque e o cigarro apagaria, e eu teria que levantar e fazer tudo novamente.

Passei desapercebido pela janela. Sentei em frente à máquina e dei uma tragada. Peguei a folha ainda branca e, antes de colocá-la na máquina, um gole. Sem ter o que escrever percebi a fumaça que subia reta saindo do cigarro e logo acima se perdia no ar, tanto a da minha boca quanto a do cigarro. O uísque me pareceu mais interessante. Outra tragada, seguida de outro gole. Enquanto marcava a margem, prosseguia a discussão que da avenida subia reto à janela do meu apartamento e, em seu interior, se perdia ecoando pelos cantos da sala.

Levantei da cadeira novamente, domado pela curiosidade. Fui à janela observar os ares impuros da madrugada, sem ver a confusão, insistindo em continuar. Olhei o céu, escuro, algumas estrelas mantinham um brilho fosco. Logo se percebia uma madrugada tímida e solitária. Ventava pouco, a temperatura quase agradável e ali, um tanto ébrio, a solidão se fazia minha companheira.

Voltei da janela, talvez aliviado. Cachimbo estava no mesmo lugar de sempre, ao pé oposto da mesa onde eu sentara, deitado sobre o tapete vermelho. O que posso falar de tal bichano sossegado? Quase não dá trabalho! Basta colocar comida duas vezes ao dia e lhe fazer um punhado de carinho no final da tarde. Nunca é mal agradecido, nem esconde minhas revistas e jornais. Não se importa com o canal de televisão ou com a estação de rádio. Ouve qualquer tipo de música e não faz comentários durante ou no intervalo dos filmes. Por esse motivo me é mais agradável a companhia de um gato, e não a dela. Ela. Mesmo que não quisesse falar sobre, seria impossível não percebê-la entre os cômodos. Pra tanto, basta olhar o quadro no corredor, um exagero! Pudera, com tanta beleza, logo quis modificar a decoração, mulher tempestiva! Seu perfume invadia a casa logo que entrava pela porta ou saía do banho, com a pele rosada e os cabelos molhados se deixando escorrer pelo rosto.

Agora resta o mofo nas paredes do quarto e um gosto azedo na cozinha. Mas não posso viver de saudades, e tenho que escrever a crônica para o jornal. Pior! Tenho que levantar às seis da manhã. Com tantos compromissos, não resisti a outro gole e tragada. Tento me concentrar e escrever algo, pudera, ouço sirene! A discussão permanecia. Talvez um tiro, dois, a situação parecia piorar. Agora vozes que, talvez nítidas, anunciavam voz de prisão.

- Mãos na cabeça!

Lamentável o português errado e vulgar que se podia ouvir. Ignorância pura ou era um polvo defeituoso. Outro tiro, que silenciou e esvaziou o local. Não tardou para que a sirene voltasse novamente. Olhei para Cachimbo, que me re-olhava intrigado. Não muito, pois baixou a cabeça e voltou a dormir. Continuei a olhar à máquina. O papel, ainda branco, já não suportava mais ficar preso e contorcido naquele carro de metal. Nem ao menos a data, o título, a idéia. Eu estava evasivo.

A sirene permanecia, a discussão baixara o tom, era possível ouvir algum vizinho mais desesperado e mula manca berrar silêncio, ou trancar as janelas. Após anos morando neste cortiço, confesso estar acostumado a tais cenas. E pensar que, com tantas coisas, nada em mente para transformá-la num texto. Talvez medíocre, como os escritos das noites anteriores, mas a inspiração não me vinha.

Sei que o pessoal da redação anda comentando, um zunzunzum dizendo que escritor e jornalista velho nem sempre é como uísque, mas não estou a ponto de me preocupar com tal posição. Apenas estou intrigado com a qualidade dos textos que deixaram a desejar nos últimos dias. E falando em uísque, olhei para o copo, vazio. Se cada vez que iniciasse o texto tivesse que interromper para buscar algo, jamais a crônica seria escrita. Logo voltei com a garrafa e uma porção de amendoim torrado. Coloquei-os ao lado do maço de cigarros e, enfim, estava decidido a iniciar a crônica.

O dedo já pronto a disparar a letra f e, um ronco de motor, gritos abafados e um automóvel apressado com os pneus gritantes me furtaram. Novamente olhei para Cachimbo, que dormia um sono leve. Com certeza não estava preocupado com as crônicas do dia seguinte, que seriam publicadas no seguinte ao seguinte. Já o uísque não surtia efeito, o cigarro apagava-se entre fumaça e esquecimento. Restara o quadro na parede, bobagem, restara a janela, silenciada. Painéis acesos, poucas luzes de néon, uma ou duas almas vagando pela calçada se arrastando embriagadas e sem destino, e um táxi amarelo que rapidamente virara à esquerda. Com certeza ia em direção ao Bexiga. Chega! Atingi o limite da mediocridade! Além de não escrever, tentava adivinhar o percurso dos táxis e ambulâncias que rapidamente cruzavam a avenida.

Ao longe, a banca de revistas era visível, fechada. Somente às cinco da manhã abriria. Quantas tantas vezes eu ficava da janela a olhando andar dengosa, comprando revista de moda, querendo ser elegante para que pudéssemos jantar fora.

Ainda restara algum tempo, umas quatro horas. O suficiente para um bom cochilo. E por falar em banca de jornal, me lembrei da crônica, que não estava pronta. Logo viriam à minha porta, lá pela seis horas.

Talvez como Gregor Sansa, eu me transformasse num inseto e não conseguisse levantar da cama. Não precisaria abrir a porta e, não que a crônica não estivesse pronta, porém ficaria impossibilitado de entregá-la. Com certeza iriam embora e jamais voltariam. Ou voltariam mais tarde ou no dia seguinte, e logo desistiriam. Olhei para Cachimbo, que novamente me olhara. Não sei se pelo excesso de uísque, Cachimbo balançou a cabeça negativamente e voltou a dormir.

Já aceitava e talvez devesse agradecer, ela não mais retornaria. Estava decidida em sua última carta, mulher geniosa. Talvez pela diferença de idades, ela ainda uma jovem com a vida pela frente; eu, um velho beberrão e mal humorado que tentava ensinar-lhe os truques do mundo. Ninguém sabe os truques do mundo.

Uma das mãos na quina da janela, a outro segurando o queixo, posição que não me inspirara nunca, apenas uma falsa alusão aos bustos de praça. Num instante minha atenção fora roubada. Olhei, em princípio assustado, logo tentei me recompor. Olhei novamente. Não poderia ser possível, diante dos meus olhos daquela maneira. Alguém também deve estar vendo, me perguntei comedido. Caso contrário, seria necessário contar. Foi num estalar que me veio a idéia. Olhei às janelas do prédio, nenhum mula manca olhando à avenida. Corri à mesa, sentei, um gole antes de escrever, para estar preparado.

Espaço, espaço...espaço. Palavras, pá-lavras e pála-vras. Algumas ficaram por aí, vagando alcoólatras. Ainda faltava o título, faltava mais, eu precisava descrever. Outro gole. Já não restara tempo para acender outro cigarro, o texto parecia interessante e ébrio, apesar de absurdo. Levantei, corri à janela e olhei. A inspiração vinha à tona. Voltei à cadeira, junto à mesa, e mais pá-lavras.

As mãos escreviam como se tivessem vontade própria. Fixei os olhos por instantes, as imagens invadiam minha retina com vibração, as luzes eram reluzentes, nem ao menos um piscar. Ponto parágrafo. Nem percebi se Cachimbo ainda dormia, com certeza sim. Como um pintor observando sua inspiração e a descrevendo, não com tintas, com letras, todas vivas e, logo aconteceria o último ponto, o Final.

Mas eu não encontrava o triunfante desfecho. Não encontrava realidade suficiente que desse credibilidade aos escritos. Era necessário terminar a crônica, mas como? Li, reli, e nada! Voltei à janela, esta não me desapontaria, salvadora janela, e...e...já não estava mais lá. Desabei!

Alguns instantes não me foram creditados. Como? Onde? Por quê? ??? Havia desaparecido! Como, se há instantes...??? Restara voltar à mesa e terminar de contar... mas o quê contaria? Jamais diriam ser verdade, tal absurda história. Pensei em descer e procurar melhor, talvez não conseguisse ver da janela. Talvez tivesse afastado, poderia estar por ali, nada adiantaria. Voltei à máquina, retirei a folha, peguei o texto com uma das mãos e o esmaguei. Logo em seguida caminhei em direção à janela. Ouvi uma voz ao fundo, que dizia para que não fizesse aquilo, mas eu estava decidido!

- Alguém há de acreditar, não faça isso!

- Cala a boca, voz maldita! Ela nunca mais vai voltar!

Já estava decidido. Olhei para a janela, o silêncio, passos pela calçada, a banca de jornal fechada, outro táxi, que desta vez virou à direita, tudo como sempre, e faltava algo, que há pouco eu vira e desaparecera. Não importava mais. Coloquei a mão fora da janela e a abri. Lentamente o texto foi caindo. Não cheguei a vê-lo chocar-se contra o chão. Todas aquelas palavras esmagadas. Voltei, com um sorriso cínico. O texto fora assassinado. Agora seria impossível entregá-lo. Olhei para Cachimbo, que dormia continuamente.

Decidi pelo mesmo. Noutro dia, talvez uma desculpa, ou a verdade. Logo me perdi no corredor. Deixei para trás o maço de cigarros, a velha máquina, a janela aberta, as luzes acesas, o quadro e outros pormenores. Apenas passei a mão na garrafa de uísque e a levei ao quarto, boa companheira. Cachimbo percebeu e logo veio atrás, sem alarde. Então um silêncio invadiu por quase completo e uma ponta de curiosidade veio, perguntando para onde teria ido. Fechei os olhos, resisti. Finalmente o sono!