sexta-feira, 18 de março de 2011

Um momento, Bob Dylan, o vento, um pouco de alguma coisa...


Fim da queda da Cascata das Antas, Minas Gerais
Enquanto ouço Bob Dylan tocando suave em minhas caixas de som, e sentido o cheiro de perfume de flores desconhecidas entrando pela porta da sala, vou me perguntando o sentido de algumas coisas. Por exemplo, o sentido de envelhecer e se tornar distante de tudo que eu era, tudo que frequentava, tudo que eu conhecia.
O tempo tem tornando tudo diferente, tudo estranho. A começar por mim. Será que todos pensam a mesma coisa? Quando você tem 18 anos, pensa onde estará em dez anos. Mas quando você passa dos trinta anos, pensa que os próximos dez anos serão de que? Conquistas ou declínio?
Se bem que, depois de algum tempo, conquista ou declínio, bem como qualquer outro substantivo, verbo ou adjetivo passa a ter um significado diferente. Aos 18 anos você quer conquistar o mundo, conquistar as mulheres, conquistar a velocidade. Quinze anos depois e você entende que conquista é algo relativamente imaginário, ou, pelo menos, algo efêmero, temporário. Por quê? Porque nada é para sempre. A vitória representa uns poucos segundos após o término da partida, ou, às vezes, se prolonga por alguns minutos do dia seguinte.
O que prolonga pelos tempos, idealizado em um troféu, é uma falsa ideia de conquista. Por quê? Porque depois que a onda estoura pela praia, outras continuam a vir e estourar, e estourar, e estourar. A vida segue, dia após dia, hora após hora, minuto após minuto.
Então entendo que vitória ou derrota representam um momento. Apenas um momento de um todo. Não ganhamos ou perdemos o tempo todo, então, o melhor que podemos fazer é viver um dia de cada vez, uma emoção de cada vez. Se bem que certas emoções jamais voltam, então, de alguma maneira, precisamos buscar uma forma de torna-las infinitas, duradouras, para que tenhamos algo a que possamos nos agarrar, em meio a uma tempestade.
Há tanta bobeira desnecessária no mundo hoje, tomando nosso tempo de diversas formas que, se não nos atentarmos às armadilhas que estão ao nosso redor, ficamos presos em um limbo improdutivo, que consome nossas energias, nossos sonhos, nossos sorrisos e chega até a secar as nossas lágrimas. Quase que nos tornam um pedaço de máquina, sem emoções ou sentimentos.
Talvez tudo hoje em dia nos isole dos sentimentos, tudo com a ideia de que possamos ser fortes, livres, e conquistadores. E assim, sem nos darmos conta, nos tornamos prisioneiros de nossas próprias investidas contra a vida, contra o viver. É difícil arrebentar esses cadeados e correntes invisíveis que nos prendem ao fosso. Mas, de alguma maneira, sei que é preciso enxergar isso, cortar isso, pois o tempo é impiedoso conosco.
Se ainda temos algum tempo, é melhor que larguemos tudo e caiamos na estrada; com o vento contra nossos cabelos e nossa pele, contra as fantasias construídas no passado, porque tudo isso aqui se vai num dia, quando menos esperarmos, e é melhor fazermos isso agora, porque não sabemos até quando poderemos, até quando durara nossa força interna ou imaginária.
Talvez exista uma certa ânsia em se buscar algo novo, quando tudo que parece novo é arcaico, corroído, empoeirado. Até quando poderemos? Sinceramente, não sei. Talvez por isso seja necessário ter apenas uma pequena mala, com as coisas essenciais. Porque as coisas essenciais talvez estejam por aí, e acho que seria importante, mais cedo ou mais tarde, encontrar coisas pendentes. Tudo bem que não dá pra desligar de tudo, nem chutar tudo, mas é bom termos pressa e fome, enquanto temos um pouco de energia pra mover os nossos músculos, enquanto ainda temos coragem de nos ver como ser humano, enquanto ainda podemos querer.
Talvez o vento esteja a nosso favor, talvez não, mas o que importa? Reflexos, reflexões, eu preciso, de fato, do sabor do vento. É um sabor que nos parece desconhecido, mas o conhecemos muito bem, sim, cada um sabe o que significa. Ele está ali, do outro lado, quem sabe alguns passos sejam o suficiente, quem sabe um dia inteiro caminhando, sinceramente, não sei, mas preciso encontra-lo, preciso; simplesmente assim, sem mais nem menos, de dia ou de noite, o que importa? Acho que nada... mas, provavelmente, uma única mala será o suficiente, pois o restante estará por aí, aguardando.

terça-feira, 8 de março de 2011

Minha lista com os dez melhores filmes do cinema de todos os tempos.

Falar em uma lista com as melhores escolhas se trata de algo muito particular. Talvez por isso eu tenha listado a relação dos dez melhores filmes que já vi, e que, direta ou indiretamente, influenciaram minha forma de ver ou interpretar os fatos que me cercam. Obviamente, outras pessoas podem ter uma idéia diferente, escolhas diferentes, mas listei aqui o que o cinema fez de melhor, e o que influenciou o resto do mundo em gênero, estilo, interpretação, direção, roteiro, iluminação, arte, e por aí afora.

São clássicos que, independente da época ou lugar que se viva, tudo tem a ver com a nossa sociedade contemporânea. E, para ser imparcial a minha própria escolha, optei por colocar em ordem cronológica crescente. Tirando esse critério de ordem cronológica, não optei por nenhum outro para selecionar minhas preferências.

Janela Indiscreta.

Lançado em 1954, foi dirigido por Alfred Hitchcock e tinha no elenco principal o ator James Stewart e a belíssima Grace Kelly. Um dos maiores filmes do mestre do suspense, este intrigante filme retrata os momentos inativos de um fotógrafo, interpretado por Stewart, que, obrigado a ficar de repouso em seu apartamento, por estar se recuperando de um acidente, passa a acompanhar os vizinhos através da janela de seu apartamento e das lentes de suas câmeras. Como um voyuer, ele vigia cada passo dos moradores, intrigado com seus comportamentos suspeitos.

Porém, num belo dia, o fotografo passa a desconfiar que um de seus vizinhos matou a esposa e a enterrou em seu jardim. Domado por sua paranóia latente e detalhista, ele pede que sua bela namorada, interpretada por Grace Kelly, o ajude a desvendar esse suposto assassinato.

Este filme está em minha relação pois a forma como Hitchcock filma cada cena, a forma como acompanhamos o delírio do personagem principal, tentando desvendar o dia a dia de seus moradores, e o crescente clímax de suspense que se cria, fazem com que você se pergunte muitas coisas a respeito do que está vendo, e das coisas que acontecem ao seu redor, e dos seus próprios vizinhos.

Contudo, depois de Janela Indiscreta, o gênero de suspense subiu um degrau no conceito de filmes do gênero. E Hitchcock pode contribuir com técnicas cinematográficas que, para a época, eram algo muito inovador.

Obviamente, hoje, com toda a tecnologia disponível, os detalhes de um filme de suspense de seis décadas atrás podem não ser tão surpreendentes, mas para os anos 50 do século XX, e para um gênero ainda jovem, foram um verdadeiro arraso.


Janela Indiscreta, dirigido por Alfred Hitchcok, ano de 1954.

Assim Caminha a Humanidade.

Lançado em 1956, com o título original Giant, para mim, este filme é grandioso não pelo simples fato de ter no elenco Elizabeth Taylor e James Dean, um roteiro impecável, uma direção de primeiríssima qualidade, além de uma fotografia de encher os olhos. O que mais me marca nesta obra é o retrato dos Estados Unidos na transição do século XIX para o século XX, bem como dos elementos que compõem a caracterização de sua economia e da solidificação de uma nação.

Assim Caminha a Humanidade retrata um mundo a parte do fim do ápice e hegemonia européia, transferida para a América, mais precisamente América do Norte. Um local de muitas possibilidades e oportunidades, com terras fartas, com um povo miscigenado, disposto a tudo para conquistar seu lugar ao sol.

Este filme representa a continuidade da civilização, superando a saturação que a Europa apresentava, para começar o novo. Se quisermos um filme para compreender o que acontece no mundo de hoje, este filme é obrigatório. Sua grandeza está além de toda a qualidade cinematográfica que ele apresenta.

O filme foi dirigido por um diretor extremamente talentoso, George Stevens, além de ter um elenco grandioso, com Rock Hudson, Carroll Baker, Dennis Hopper, além dos citados acima Liz Taylor e James Dean.

Assim Caminha a Humanidade, dirigido por George Stevens, ano de 1956.

Testemunha de Acusação.

Lançado em 1957, e digido por Billy Wilder, Testemunha de Acusação conta com Tyrone Power, Marlene Dietrich, Charles Laughton e Elsa Lanchester no elenco. É, sem dúvida, um dos melhores filmes de tribunal já feito, com interpretações desconcertantes, e com um final mais do que surpreendente.

A história se passa na Inglaterra, e foi adaptada para o cinema a partir de uma peça de teatro de Agatha Christie; tem no elenco a enigmática e fria Marlene Dietrich, construindo uma personagem dúbia, fria, manipuladora, capaz de causar revolta e espanto a qualquer um que a conheça. No filme ela faz Christine Helm Vole, esposa de Leonard Vole, jovem rapaz que é acusado de assassinato.

Como réu, temos o pacato e ingênuo Leonard Vole, interpretado por Tyrone Power, que é acusado de assassinar uma senhora viúva de meia idade, para se aproveitar de seu dinheiro e testamento, apesar de sua aparente inocente.

Para defende-los no tribunal está Sir Wilfrid Robarts, interpretado por Charles Laughton, perfeito no papel de advogado experiente que, apesar da saúde debilitada, aceita defender uma causa quase impossível. Advogado astuto, a caracterização de seu personagem é compreendida de detalhes mínimos que tornam sua interpretação única.

Neste filme, nada do que parece é, nos vemos envoltos em uma trama mentirosa, espinhosa, que parece não ter fim. Mas se trata de um filme com uma cadência perfeita, diálogos eficientes, e narrativa inteligente. Na direção, ninguém menos que Billy Wilder, um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos. Para quem gosta de um bom filme de jurados, tribunal, investigações e reviravolta, é o melhor que se pode assistir.

Testemunha de Acusação, escrito e dirigido por Billy Wilder, ano de 1957.

Da Terra Nascem os Homens.

Um western completo, que transcende a seu gênero. Começamos com um homem da cidade, James McKay, interpretado por Gregory Peck, que chega a uma cidadezinha agrícola do Oeste, para se casar. Homem considerado dócil demais, por conta dos fazendeiros e povo da região, aos poucos tenta provar seu valor e conhecimento, contra o modo aparentemente bruto e rude em que vivem os locais.

Uma vez mais, temos um filme que remonta a construção dos Estados Unidos, lançado em 1958 e dirigido pelo premiado diretor William Wyler, temos aqui um paradoxo entre a rigidez e a força dos homens, versus a sua capacidade de agir de forma flexível e negociável. Ceder, muitas vezes, não é sinal de fraqueza, ao mesmo tempo em que ganhar nem sempre é sinal de conquistar algo duradouro e pleno.

Apesar de ser classificado como Western, acredito que este filme seja um moderado drama, com características de romance e aventura, ou, ao menos, contenha vários elementos dramáticos que não o permitam rotular como um único gênero. Imperdível.


Da Terra Nascem os Homens, dirigido por William Wyler, ano de 1958.

A Doce Vida.

Sem dúvida uma das maiores obras cinematográficas já realizada, A Doce Vida foi escrito e dirigido por Federico Felini, tendo em Marcello, interpretado por Marcello Mastroianni, o seu personagem central, um jornalista que acompanha a vida das celebridades.

A história se passa em Roma, na Itália, e foi lançado em 1960. Vale destacar que o termo papparazzi foi criado a partir deste filme. Porém, mais do que registrar momentos íntimos de celebridades, este filme caminha para o fundo da alma humana, demosntrando que há várias formas de viver, e na maioria delas cada um é solitário ao seu modo, mesmo que viva rodeado por todo tipo de gente, e em grandes centros urbanos.

Além do que, este filme captura os anseios e dúvidas humanas, bem como a sua capacidade de ter, conseguir, conquistar, e nunca ser o suficiente. Acredito que este filme deva ser olhado de fora para dentro. Ele começa captando o exterior, mas termina por capturar as imagens internas de cada um. Mas, como nem tudo é um dia nublado na vida, o filme termina com um sinal de esperança.

Acredito que nem um outro filme tenha me influenciado tanto, quanto este. E, depois de tantos anos vendo-o e revendo-o, ainda não me dei por satisfeito. O filme vale por tudo aquilo que ele retrata do ser humano. Aqui não temos tiros, ou guerra pelo ouro. Aqui a guerra é travada contra si mesmo, contra os medos, anseios e desejos de cada um. Imperdível.


A Doce Vida, escrito e dirigido por Federico Felini, ano de 1960.

Psicose.

O filme Psicose, dirigido por Alfred Hitchcock e estrelado por Anthony Perkins é, talvez, o maior filme de suspense de todos os tempos. Quem nunca viu a famosa cena em que uma mulher é esfaqueada no chuveiro, por uma velha, ao som de uma música insistentemente incômoda, e termina com a vítima arrebentando os ganchos do box de plástico e caindo na banheira, com o sangue escorrendo junto com a água pelo ralo?


O filme foi lançado em 1960, e conta no elenco com Janet Leigh, Vera Miles, John Gavin e Martin Balsan. Do ponto de vista comercial, foi um excelente negócio, pois custou menos de US $ 1 milhão de dólares, mas faturou mais de US $ 50 milhões de dólares em bilheteria. Para a época, foi um enorme sucesso.

Acredito que Hitchcock seja o diretor que mais influenciou e inovou no cinema. Era metódico, sarcástico e com uma visão cinematográfica privilegiada. Como eu já disse, talvez para os dias de hoje, algumas de suas cenas não tenham tanto impacto. Mas, para a sua época, era algo impressionante.

Sua longa e qualificada filmografia faz dele um dos diretores mais importantes da história do cinema. E sua influência teve impacto ao redor de todo o mundo. Apesar disso, jamais recebeu um Oscar como diretor. Isso mostra para mim que, acima de tudo, os prêmios são mais direcionados aos seu rebanho, seus seguidores, e seus investidores, do que da questão estética, da qualidade, e da melhor categoria. Mas, prêmios a parte, este diretor, para mim, foi excelente, e todos os seus filmes merecem crédito.


Psicose, dirigido por Alfred Hitchcock, ano de 1960.

O Poderoso Chefão.

A maior saga de família de mafiosos foi filmada por Francis Ford Coppola, em 1972, com um elenco jamais reunido em um único filme anteriormente. O filme foi o maior sucesso comercial da época, com um custo aproximado de US $ 6 milhões de dólares e faturando, nas bilheterias, mais de US $ 243 milhões de dólares.

Adaptado do romance de Mario Puzzo, o filme contava no elenco com Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Robert Duvall, Diane Keaton, Talia Shire, John Cazale, dentre outros. Não bastasse o sucesso comercial, o filme recebeu 9 indicações ao Oscar, ganhando 3 estatuetas, a de melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor ator, para Brando.

O que me fez colocar esse filme em minha lista de melhores filmes já vistos é o fato de ser um filme completo em questão de gênero, além de ter uma trama familiar maravilhosa, com a sucessão dos filhos no poder, a briga entre rivais, valores morais e sociais que são distorcidos de acordo com a realidade do mundo em que vivemos.

A saga da família Corleone apresenta o pai, Don Vito Corleone, aqui vivido por Marlon Brando, que controla os negócios ilícitos de uma família de imigrantes italianos nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que tenta se adaptar e viver como se seus negócios obscuros fossem apenas negócios. Contudo, seu poder sobrepõe a própria sociedade, uma vez que eles controlam a máfia, a polícia, o tribunal de justiça, além de ter influência sobre os próprios concorrentes.

O certo e o correto, para a família Corleone, está dentro dos valores da própria família, e não dos valores universais comuns para todos os demais. Contudo, a corrupção do ser humano, diante do mundo, é uma trama paralela, assim como a disputa pelo poder, entre os rivais, e a briga interna, tendo como centro da disputa os próprios familiares. Considerado um filme de máfia ou gângster é, acima de tudo, uma excelente diversão.


O Poderoso Chefão, co-escrito e dirigido por Francis Ford Coppola, ano de 1972.

O Poderoso Chefão, parte II.

Para quem imaginava que a continuação de um filme nem sempre podia ser melhor que a primeira, com certeza reviu seus conceitos com a segunda parte de O Poderso Chefão. Isto porque o segundo filme, que continua a história da família Corleone, consegue ser tão bom ou talvez até melhor do que a primeira parte. Na verdade, não dá pra pensar em um filme sem o outro. E nem faria sentido. É como se os dois filmes fossem uma única obra.

Eles se completam, tanto na história da família, quanto na questão estética cinematográfica. Esta segunda parte recebeu 11 indicações ao Oscar, levando 6 estatuetas, incluindo melhor filme, melhor roteiro, melhor diretor, melhor ator, para Robert De Niro, melhor trilha sonora e melhor direção de arte. Do ponto de vista comercial, o filme também se deu muito bem, faturando quase US $ 200 milhões de dólares em bilheteria.

Aqui, temos duas histórias paralelas; na primeira, a história retorna no tempo, mostrando o início da vida de Don Vito Corleone, agora interpretado por Robert De Niro. Paralelamente, a história segue com Michael, filho de Don Vito, no comando da família, interpretado por Al Pacino. É um filme para assistir quantas vezes for possível.

O Poderoso Chefão, parte II, escrito e dirigido por Francis Ford Coppola, ano de 1974.

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa.

A maior obra cinematográfica do escritor e diretor Woody Allen, Annie Hall, aqui no Brasil recebeu o título de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", foi um dos melhores filmes de relacionamento já realizado.

Com um estilo particular de filmar, construir os diálogos, e criar os desfechos, Woody Allen é, talvez, o maior cineasta ainda em atividade no mundo. Tendo Nova Iorque como cenário, faz o tipo paranóico escritor judeu-ateu, sempre questionando a tudo e a todos. Os problemas de relacionamento acompanham todas as suas obras, sempre tendo como contraponto a comédia e o drama.

O filme consagrou Woody Allen com o Oscar de melhor filme e melhor roteiro, porém, o diretor não fez questão em ir a cerimônia de entrega para receber seu prêmio. Contudo, sua filmografia é extensa e completa. Nos últimos anos, Allen tem mostrado um senso de humor negro e refinado, com filmes como Match Point e O Sonho de Cassandra, e comédias românticas bem agradáveis, como Vicky Cristina Barcelona. Para mim, o melhor diretor e roteirista da atualidade.

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, escrito e dirgido por Woody Allen, ano de 1977.

Manhattan.

Para mim, o melhor filme de Woody Allen, juntamente com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa.
Contando com Woody Allen no elenco, tem também Diane Keaton novamente, Meryl Strep, Mariel Hemingway.

Aqui, novamente temos como tema o relacionamento. Dividido entre uma jovem estudante de dezessete anos, interpretada por Hemingway, e uma mulher indecisa, irreverente, interpretada por Diane Keaton, Allen faz um escritor de meia idade, saído de um divórcio, e com problemas mal resolvidos com todas as mulheres que conhece.

Tentando conhecer a si mesmo, e sempre se questionando pelo que é certo ou errado, adequado ou inadequado, Allen explora Manhattan não apenas como o fundo de sua fotografia, mas como uma personagem atuante o tempo todo. O filme também é recheado de piadas típicas de Woody Allen, além de ter um elenco de primeira.

Manhattan, escrito e dirigido por Woody Allen, ano de 1979.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Palmeiras 2011: Futebol Brasileiro 2011...

Estádio do Maracanã, palco da provável final da copa do mundo de 2014

Bom, sempre gostei muito de futebol, sempre admirei ver futebol, independente do time, do país, do campeonato. Mas, ano após ano, tenho acompanhado cada vez menos, gostado cada vez menos, e me decepcionado cada vez mais.
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E, na verdade, também não tenho interesse em escrever sobre isso, até porque tem gente demais escrevendo sobre futebol, e na maioria das vezes são textos mentirosos, especuladores, com apelos desesperados para conseguir leitor. São centenas de blogs espalhados por diversos sites de renome, que na maioria das vezes utiliza título de impacto só pra atrair a atenção do leitor, e, quando você vai ler, o conteúdo é banal, mal escrito, cheio de conversa fiada, que chega a cansar mais que a falta de qualidade que o futebol de hoje tem apresentado.
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Na verdade, a forma do futebol de hoje não é a melhor coisa pra se assistir; mas é a forma mais rentável que já se criou em torno desse negócio-entretenimento-esporte. Hoje, qualquer contrato é milionário, seja de um jogador, seja de um preparador físico, técnico, comentarista de tv, enfim, todos ganham um gordo salário pra dizer as mesmas coisas banais, e com um futebol apresentado de nível mediano.
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Porém, ainda insisto em algumas poucas e últimas reflexões: primeiro sobre o time do Palmeiras: é vexatório, é desastroso, é inaceitável; a administração age de forma equivocada, contratando jogadores a preços caros, sem condições de pagá-los. Depois, arruma qualquer desculpa esfarrapada para descartá-los. Além do mais, a briga interna dos dirigentes tem prejudicado demais o andamento das coisas. Foi até engraçado ver os dirigentes falarem da história do Palmeiras, que na última década não ganhou nada expressivo.
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Mas não é nada engraçado o que está acontecendo: a "HISTÓRIA" do Palmeiras está ficando esquecida, amarelada, empoeirada. Estão destruindo o que havia de bom nisso tudo, e, com certo prazer e masoquismo, as pessoas estão conseguindo acabar com o pouco que sobrou. Se não acordarem logo, vão ver a história cada vez mais distante, cada vez mais refletida no século anterior.
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Tudo bem que para a maioria dos times está difícil, mas, convenhamos, essa diretoria tem agido de forma incapaz. Incapaz de trazer títulos, de trazer profissionalismo. Claro que Ronaldinho Gaúcho não é maior que nenhum time; mas os dirigentes também não são. Claro que nem sempre esses investimentos trazem retorno dentro de campo. Por exemplo, o Corinthians fez uma boa jogada de marketing ao contratar Ronaldo Fenômeno, que sempre foi e sempre vai ser um dos melhores jogadores de todos os tempos, mas, além do marketing, os títulos esperados não vieram.
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Ou seja, nem sempre essas especulações milionárias trazem resultado. O que está faltando aos grandes times de futebol do país é apresentar revelações que realmente causem impacto. Como foi o caso do Santos, com Neymar, Robinho, Diego. No ritmo em que andam as coisas, a própria seleção brasileira enfraquecerá, pois os medalhões já não produzem mais o que deveriam, e os jogadores mais novos foram os que fizeram uma copa do mundo, no ano passado, apenas mediana. Não poderemos cobrar muito da seleção em 2014.
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Existe um bom momento aí, que é o do profissionalismo do futebol, envolvendo contratos jamais fechados antes, com cifras jamais praticadas antes. O que emperra as coisas é a falta de profissionalismo, falta de visão, falta de conhecimento administrativo. São especuladores que administram as coisas hoje; com todo o dinheiro investido, muitos jogadores poderiam ser formados para jogar em alto nível. Ao invés disso, colocam dinheiro novo em panela velha. É cansativo, lamentavel, perda de tempo.
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Poderíamos ter o melhor futebol do mundo, mas não temos, não teremos, e, o pior de tudo, é que achamos que somos muito bons. Os outros ganham por conta do acaso, por conta das brincadeiras da vida. Nós? Nós perdemos porque deixamos, porque não queremos ser sempre vencedores, porque senão não teria graça. É verdade!!! O campeonato brasileiro é o melhor do mundo, e o campeonato paulista o torneio mais disputado. Essas piadas se tornaram sem graça pra mim...

domingo, 14 de novembro de 2010

Final de Fórmula 1: uma pista sem condições de ultrapassagens

Com a final do Mundial de Fórmula 1, algumas coisas, pra mim, ficaram claras. Apesar de a Red Bull ter o melhor carro, e um piloto veloz, no caso o Vettel, que foi campeão sem direito a ninguém constestar nada de errado ou marmelada, ficou claro que esta última prova, como a maioria, foram feitas para corridas burocráticas.
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Falo isso pela dificuldade em se ultrapassar. Tanto Alonso, quanto Hamilton tentaram fazer ultrapassagens aos carros que estavam em suas frentes, mas o máximo que conseguiram foi andar fora da pista.
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Alguns pilotos têm talento extremamente diferenciados, caso de Alonso, Kubica, Hamilton. Mas isso, na hora da corrida, tem significado cada vez menos. Pois, quando você retira a capacidade de ultrapassagem, você interfere no resultado.
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Acho que os resultados das últimas temporadas foram mais influenciados pelas paradas nos boxes, e pelos acidentes e quebras dos carros, do que pelas ultrapassagens. O engraçado é que, por se tratar de uma corrida, deveria privilegiar as ultrapassagens, o talento do piloto, e não essa coisa burocrática, pois para quem assiste, acaba ficando sem graça.
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Se as únicas emoções que se têm nas corridas de fórmula 1 são o tempo gasto nos boxes, o trabalho exímio dos mecânicos, e a estratégia das equipes, quando fazem seus jogos sujos, então acho melhor não acompanhar o campeonato. A única coisa que me levou a ver as corridas foi o talento dos pilotos, a audácia.
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Bem é verdade que, após a morte de alguns pilotos, incluindo a do Senna, os dirigentes da categoria decidiram se preocupar mais com a segurança durante as provas. Mas, se for para acabar com a possibilidade de se ver um espetáculo, prefiro que a competição seja extinta da minha programação pessoal e dos meus finais de semana.
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Isso não tira o mérito do Vettel, que é de fato talentoso, mas, olhando para o campeonato como um todo, qual foi seu brilhantismo, além de andar mais rápido que o Webber, que nunca foi campeão do mundo, ou andar mais rápido que seus concorrentes nos treinos, uma vez que seu carro era de fato superior, se quando chega na corrida ninguém consegue ultrapassar ninguém?
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Ou se proporcionam mais pontos de ultrapassagem nos autódromos, ou continuaremos a ver as corridas de carros serem decididas por dirigentes de empresa, mecânicos que atuam na troca de pneus, e acidentes corriqueiros que fazem com que todos os demais carros se embaralhem. Assim, pra mim, não tem graça.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Alonso Campeão e a Ferrari novamente no topo...

Não tenho tido tempo para escrever, mas tem certas coisas que nos fazem postar algo. No início do campeonato de fórmula 01 deste ano de 2010, eu disse que apesar de a Red Bull ter um bom desempenho, o campeão já estava lançado, e seria Fernando Alonso, da Ferrari. Não por crer que a Ferrari é superior aos concorrentes Red Bull e McLaren, mas principalmente pela experiência e competência do piloto espanhol. Minha segunda opção seria Hamilton.
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Bom, o campeonato tem ainda duas provas extremamente importantes e fundamentais, e nada está decidido. E talvez ninguém leve vantagem maior sobre os demais. Mas, ainda assim, eu farei algumas observações pessoais.
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Primeiro, que a Red Bull lança o carro mais veloz pra classificação, isso é óbvio. Mas ela não tem nem estratégias bem definidas, tampouco um controle sobre seus pilotos. Eles se lançam em voltas rápidas, depois se lançam para a corrida com a mesma voracidade. Mas não com a mesma inteligência. Se tivéssem usado um pouco mais o cérebro, do que o combustível, talvez já tivéssem ganho o mundial de pilotos.
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Segundo, a McLaren, que brigou sempre pelas primeiras colocações, mas não está fazendo um ano excepcional. Possui pilotos bem acima da média, mas me parecem campeões afiados, com habilidade e inteligência, mas sem muita fome. E a fome, em uma corrida, é fundamental.
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Em terceiro, a Ferrari, que andou patinando ao longo do ano, viu Massa retornar com alguma dificuldade, não pilotando em seu melhor estilo, talvez ofuscado pela genialidade de Fernando Alonso. Esse, competitivo ao extremo, focado ao extremo, habilidoso ao extremo. Muitos o têm criticado, acredito que equivocadamente, pois corrida vence quem é o mais rápido, quem, depois de tudo que possa acontecer, chega em primeiro. Não importa se por um décimo de segundo. E isso, o espanhol tem muito claro em sua mente. Tanto, que não se preocupa com detalhes outros, que não os seus próprios que possam levá-lo ao triunfo.
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De início, escrevi que ele não se transferiria para a Ferrari à toa, tinha chegado para ser campeão. Só que a escuderia italiana, nos últimos anos, tem cometido falhas grotescas que distancia seu passado de preparação, organização e mecânica impecáveis, para ser uma equipe que altera profissionalismo com bobeiras que muitas vezes custam a perda de um campeonato.
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Mas, por fim das contas, a Ferrari tem Alonso, capaz de superar todas as dificuldades, diferenças, implicações, limitações, falhas, e estar focado em ser campeão. Se realmente ele conseguirá seu tricampeonato, só as próximas semanas poderão nos dizer. Porém, desde o início acreditei na qualidade extrema desse piloto que, dentro dessa formação de grid atual, é o mais diferenciado que há. Em um ano às vezes meio chato, às vezes meio interessante, o espanhol foi o piloto que, até aqui, conseguiu mais vitórias. Nos próximos dias teremos uma fala definitiva sobre a fórmula 1 de 2010. Até lá.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

O sabor das coisas... e a Copa está aí!



Bom, o mundo dos esportes tem dominado a atenção dos holofotes. Natural que a Copa, realizada a cada quatro anos, tenha grande destaque. Tudo pára, tudo inexiste. Podemos observar o quanto as coisas realmente são. As notícias, todo circo promovido só tem validade quando não há mais nada pra falar.
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Sempre foi assim, dá-se destaque a qualquer coisa que possa prender as pessoas à frente da televisão, de um jornal, de uma revista e, mais recentemente, do computador. Parece interessante esse alinhamento do ano de eleição política presidencial, juntamente com a Copa do Mundo.
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Enquanto os presidenciáveis vão arrumando suas melhores roupas, ensaiando seus melhores sorrisos, construindo suas aparências mais sérias e repreensivas, tudo rola pelo gramado, tudo escorre para um lugar comum, tudo é tudo ou nada ao mesmo tempo.
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Reflexões à parte, quem pode, faz negócios e lucra com a Copa, com as Eleições, com as Tragédias, pois ao final de tudo, tudo é negócio. Enquanto isso, outros buscam um espaço como ator (ou atriz), nesse circo todo armado, temos o perna de pau, temos o palhaço, o malabarista, o trapezista, enfim, temos o show.
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Os próprios estúdios de Hollywood, recordistas de público o ano todo, buscam estratégias para vender as bilheterias de cinema em período da Copa do Mundo, e promover seus atores galáticos e suas produções impecáveis, tamanho impacto que o futebol tem na economia e no dia a dia do mundo normal da maioria das pessoas.
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Enquanto isso, os políticos, uma espécie de classe artística fundamental nos cenários globais, no máximo se aquecem em seus camarins, ensaiando seus últimos e inflamados diálogos. Não dá pra emplacar um sucesso nesse período, é necessário respeito, tem-se que esperar o momento certo pra aparecer. Até o astro internacional Ahmadinejad, famoso por representar o vilão do Irã, foi colocado pra escanteio nos últimos dias.
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Se bem que tem muita gente com diálogo sem sal nem açúcar, sem tempero e sem gosto, na verdade, sosso mesmo, em qualquer época do ano, em qualquer palco, em qualquer mesa. Na verdade, acredito que muitas coisas estão assim, ainda sem tempero, aguardando o toque final. E o grande problema está exatamente aí, em dosar os elementos que serão acrescentados e farão o gran finale.
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Conversa fiada à parte, Brasil, Argentina, Alemanha e Itália, em minha opinião, são os candidatos ao título mundial deste ano. Mas muita água vai rolar, aqui e lá, muito caldeirão vai ferver, com temperos, carnes e legumes, política, futebol e cinema.
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Um bom prato tem que ter gosto, tem que ter apelo, tem que ser saboroso, marcante, de dar água na boca. Os favoritismos, seja na campanha política, seja dentro de campo, seja na vida, às vezes surpreendem e dão lugar aos coadjuvantes, ou a um grande vilão. E são esses momentos surpreendentes que dão a liga necessária, o sabor especial ao prato, ao molho, ao viver.

sábado, 29 de maio de 2010

O beija-flor, a garota e a mãe

O vento entrou vagaroso pelo estreito vão da janela. Seu sopro foi o suficiente para fazer bailar a fina cortina de metal em tiras que ameaçavam dobrar, mas que logo entornavam para o lado oposto; isso não foi o suficiente para desviar a atenção de Amália, jovem garota de pouco mais de dezessete anos, que segurava as envelhecidas e enrugadas mãos de sua mãe.

Pelas veias da mão esquerda da velha senhora, a agulha e o soro lenta e mudamente gotejavam, se espraiando como se fossem tapas tentando cortar o líquido atrevidamente dentro do tubo. Estava razoavelmente quente, o suficiente para que Amália segurasse e espremesse um lenço umedecido entre a têmpora e a testa de Dona Amélinha.

Fazia uma semana que ambas estavam ali no leito do hospital, esperançosamente aguardando melhoras. Dona Amélia, 64 anos, encontrara há quase 20 anos a pequenina e rubra garota que fora abandonada dentro de uma igreja, por desconhecidos. Devota, fiel companheira do padre e das missas matinais, foi a primeira a encontrar o cesto de palha, com uma fralda de algodão desbotada e esfiapada. Aqueles olhos espremidos e chorosos expressavam aquilo que a voz, fraquinha, escapava perdida.

Sentiu, no exato momento em que suas mãos tocaram a pele rosada do bebê, que havia uma conexão ali, uma ligação súbita e única. Abraçou para si o cesto como quem agarra uma oportunidade, a de fugir da solidão, a oportunidade de não estar mais sozinha no mundo.

Num primeiro momento, pensou se a pessoa que largara aquela criança talvez estivesse por perto. Ou ainda que a criança tivesse sido roubada dos verdadeiros pais e, num ato de arrependimento, deixara a criança no interior da igreja.

Poderiam ser outras coisas, qualquer coisa, mas ela não pensou em nada. Caminhou, parou, agraciou a criança sem graça ou sorriso, depois continuou, inquieta. Chamou pelo padre, contida, mas o pároco não respondeu.

Dona Amélia era uma senhora viúva, na verdade ficara viúva aos trinta e cinco anos de idade, numa pequena cidade do interior da Bahia. Por ser a cidade pequena demais, e ela já não mais ser uma garota na flor da idade, pensou que um segundo casamento, naquela altura da vida, seria muito difícil, a talvez até inapropriado por aquelas regiões; por conta disso apenas passou a levar a vida.

Se gostava do então marido, isso ela seria incapaz de dizer. No dia seguinte ao velório do falecido, sentiu um aperto no peito; no meio da cozinha, enquanto a xícara de café esfriava calmamente, ela sentiu aquele aperto de quem está sozinho, de quem não divide a mesa para as refeições, do tipo que não divide o cobertor no meio do frio da noite, e esta perda e ausência lhe foi sofrível, profundamente. Se isso era amor, ah, Dona Amélia não se sentia capaz de dizer. Mas foi assim que a vida quis, foi isso que o destino lhe ofertou, e foi assim que Dona Amélia passou a viver.

Mas naquele novo momento diante do altar da igreja suas sofridas e calejadas mãos seguravam algo que poderia modificar a sua vida, talvez uma oportunidade única, a presença de alguém, de um outro alguém, não um marido ou algo do gênero, mas um filho, algo que até então nunca lhe fora possível, algo que nunca havia pensado, algo que nunca havia sentido.

Novamente chamou pelo padre Onófrio, e agora este a ouvira. Mais intrigado que ela, porém menos entusiasmado, o pároco pensou, pensou e pensou. Por se tratar de uma cidade pequena, eles não conheciam ninguém que recentemente dera a luz a uma pequenina garota naquelas condições, talvez alguém de outra cidade, ou de algum vilarejo, quem sabe alguma gravidez escondida, enfim, não se chegou a um acordo ou veredicto.

Por fim, decidiram que o correto seria aguardar, mas sem fazer muito alarde. Não queriam colocar em dúvida ou expor alguma família mais abastada da região, cuja filha tivera um desvio de conduta inapropriado àquela sociedade estreita e moralista, ou ainda que algum senhorio tivesse engravidado alguma empregada, que ameaçada agiu insanamente largando uma criança á mercê da vida alheia.

Mas prometeram um ao outro que acontecesse o que fosse, se alguém reclamasse pela garota, ela seria devolvida aos verdadeiros pais. Ao padre, cabia rezar pela pobre criança; já Dona Amélia, bem, esta levou a menina para a casa e passou a dar todo o cuidado e amor que uma criança merece.

E foi assim, sem mais nem menos, que o tempo passou; a criança ali foi ficando, e ninguém aparecera para reclamar nada. E conforme os dias foram passando, a senhora e a criança foram se embaraçando, se misturando, se tornando uma família.

Dona Amélia, uma senhora simples, que seria incapaz de descrever a paixão entre um casal, e mesmo sem ter gerado uma criança em seu útero, era capaz de expressar e explicar o sentimento de mãe. Descobriu que o amor nasce não na hora em que concebemos, geramos, enxergamos ou tocamos algo, mas sim no decorrer do tempo, na ocupação de um espaço dentro da vida que é capaz de preenchê-la, de resumi-la. Seu simples linguajar não poderia dizer belas palavras, mas seu renovado coração dava todo amor àquela criança, e não havia necessidade de maiores explicações.

Foi assim nas primeiras trocas de fralda, foi assim preparando a papinha, foi assim com o primeiro dia de aula, quando ela, com seu ferro a carvão engomara a blusa de Amália. Sim, a criança teve um nome, um registro, a ausência do pai, a ausência do luxo. Mas teve todas as outras coisas que jamais o dinheiro seria capaz de comprar, parcelar, negociar.

Dezessete anos passaram ligeiros, únicos, embolados, cercados de arranhões nos joelhos, dedos das mãos furados por espinhos da roseira, sorrisos por ver o beija-flor respirar no jardim da casa, a graça e o mistério do primeiro dente “caindo de maduro”, tomar sopa no inverno, usar meias de cores diferentes em cada pé pra dormir, olhar pelo furo do cobertor, enquanto o dia amanhece.

Agora ambas estavam ali, lado a lado. Amélia segurando a mão da mãe, cuidando, preocupada. A senhora quase tossia por completo, com uma exalação forçada, um peso incomum no tórax, um peso físico porém invisível, a perda do controle dos sentidos, da respiração, tudo talvez se resumisse a uma palavra: cansaço.

E não é o cansaço acumulado ao longo dos anos, mas um cansaço que chega sem avisar, no meio da semana, trazendo um desânimo. Os médicos chamam de pneumonia, descrevem certos sintomas e doenças nos livros, além de usarem outras combinações, que na linguagem rotineira do hospital parece normal, mas só quem está acamado pode de fato interpretar seu significado.

E assim, Dona Amélia já não se importava em tremer os músculos da mão. A vida, de certa feita, é injusta. Mas a vida, de certa feita, pode ser bela. Eram suas poucas e sábias palavras, pronunciadas somente a partir “de uma certa altura da vida”. Aquela noite foi longa para ambas, Dona Amélia fazia questão em não dormir, resistia, mas não conseguia. Tirava pequenos cochilos, delirava um pouco, produzia sons desconexos ou palavras soltas, e Amália sabia seus significados, interpretava-os a sua maneira.

Já na metade da madrugada, o calor vazando para dentro da janela, Dona Amélia retomou sua lucidez, de forma temporária e breve. Disse que estava cansada, que ia pra casa, e pediu a Amália que não deixasse a luz da sala ligada quando fosse dormir. Não dava pra desperdiçar dinheiro com a energia, enquanto estava dormindo e não precisava enxergar nada. E quanto ao pequeno jardim na frente da casa, que tinha a tal roseira fura-dedo, ah, deveria aguar tudo sempre, sempre. A beleza do jardim não consistia nas palavras, mas nos cuidados; a bela da rosa não vinha dos livros, mas vinha gratuita, da natureza, desde que cuidada de forma correta, adequada.

Quanto aos homens que um dia viriam a tirar o sono de Amélia, a garota não deveria deixar de dormir. Quem quer que fosse, se a amasse um dia, de verdade, não a faria perder o sono. “Nem por paixão”, questionou Amália à sua mãe. “Quem sabe”, respondeu a mulher, “quando você descobrir, me avise, menina”.

E depois a mulher mais velha dormiu, profundamente, para sempre. A cortina de metal tremeu, contorceu, vibrou, zuniu, esticou e depois aquietou. Somente o som do vento vazando pela janela era ouvido. Amália, ainda segurando a mão da mãe, viu distante um beija-flor bebendo das flores, se embriagando. Talvez fosse surreal, talvez não fosse, o que importava naquele momento? Com o lenço umedecido, acariciou a testa da velha senhora. A noite continuou, sorrateira, triste ou feliz, não importa, apenas a noite continuou.