Era Uma vez no Oeste, filme de gênero faroeste, dirigido pelo mestre italiano Sérgio Leone, foi lançado no ano de 1968, período político conturbado no mundo, de contestações e questionamentos, em vários sentidos.
No Brasil, o Ato Instituional número 5 calava imprensa, opinião pública e até mesmo políticos, que forçados ou por conta própria se exilavam fora do país em busca de novos rumos para a democracia. Ao redor do mundo, a Guerra Fria travada entre capitalismo e socialismo tinha em seus pontos máximos os Estados Unidos e a União Soviética. O engraçado é que naquela época, a atriz Cláudia Cardinale, estrela do filme, era trecho de música até de Caetano Veloso. Tudo se interligava, a água escorria para o mesmo lado.
Apesar de a história do filme se passar bem antes, politicamente o conteúdo do filme, assim como a década de 1960, são retratos que se complementam. Inicialmente, no filme, com a disputa de um espaço de terra que viria a ser, em breve, uma estação de trem, trazendo a modernidade e a prosperidade ao oeste norte-americano.
Por outro, a violência sem limites, os fins justificando os meios, e a força do dinheiro passando por cima de tudo que se sobrepõe a ela. Em dado momento no filme, o personagem de Gabriele Ferzetti, proprietário de companhia de trens, diz claramente: “Só há uma coisa mais poderosa que a arma...o dinheiro”. Esta talvez seja a síntese do filme, e sua ligação histórica com o momento em que o filme de fato fora lançado.
Contudo, observações políticas e econômicas à parte, trata-se de uma obra prima do cinema, sem dúvida. A música como coadjuvante de cada cena, os diálogos breves, as cenas lentas e desgastantes.
É interessante ver a construção arcaica da estação ferroviária, a imperfeição da madeira tanto nas paredes, quanto nos móveis. Um contraste estético com o interior do luxuoso trem, na cena entre Gabriele Ferzetti e Henry Fonda.
Aliás, a cena em que Cheyenne, personagem de Jason Robards entra no trem e liberta o “Harmônica” (Charles Bronson), com ataques inusitados, é de certa forma humorada, diferente das mortes impactantes e sórdidas, no caso da família de Brent McBain.
Num primeiro instante, quando a personagem Jill, interpretada por Claudia Cardinale, percorre a cidade em uma carroça, indo em direção à propriedade do futuro marido, tendo ao fundo a música tema composta por Ennio Morricone, temos a simbiose perfeita entre o rosto da atriz e a perfeição musical, numa das cenas mais belas do filme.
Em outra situação, a música se funde com o olhar dos personagens, atuando na composição de cada cena, no complemento de cada fala, na explicação suave de cada silêncio. E por falar em música, foram compostos quatro temas musicais, um para cada personagem principal. Eles pré-anunciam a aparição de cada ator.
A caracterização dos personagens é outro ponto fundamental. Cada elemento que entra na história não tem sua identificação imediata, nada do que vemos é exatamente o que é. Só com o tempo vamos conhecendo cada um, entendendo suas razões, nos envolvendo com o enredo.
E por falar no enredo, a trama vai se desenrolando aos poucos, sem pressa. As agonias dos personagens são transmitidas para os telespectadores, que muitas vezes ficam aguardando o desfecho da situação, sem aceitar bem o que acontece, ou mesmo não entendendo as razões de cada um ali em cena.
Contudo, trata-se de um filme atemporal, marcante, que encerra o auge de um gênero cinematográfico sob a perspectiva costumaz. Uniu dois tempos em razões e contra-razões que bem merecem páginas de discussão. Mas aqui, destaco apenas, em poucas palavras, o óbvio e já bem sabido. A importância do filme, a grandiosidade da obra.
Na época, o filme não foi um sucesso de bilheteria, tampouco faturou algum Oscar. Contudo, anos mais tarde, atingiu o status de obra prima, sendo admirado, contemplado, copiado, influenciado. Fez o papel das grandes produções, não no sentido financeiro, mas em sua extensão e plenitude.
Pra quem ainda não viu, independente de ser fã do gênero, encontrará neste filme ao assisti-lo um pouco da história do cinema, da história dos Estados Unidos, um pouco da época de hoje e da Globalização. Daí ser uma obra atemporal. Amantes do cinema, ou não, trata-se de uma obra imperdível.
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