Enquanto ouço Bob Dylan tocando suave em minhas caixas de som, e sentido o cheiro de perfume de flores desconhecidas entrando pela porta da sala, vou me perguntando o sentido de algumas coisas. Por exemplo, o sentido de envelhecer e se tornar distante de tudo que eu era, tudo que frequentava, tudo que eu conhecia.
Literatura In(tro)vertida
Espaço em que Alberto Granato apresenta seus devaneios literários. "Sim, tenho devaneios. E a melhor forma que encontrei de me livrar deles foi tornando-os palavras. Às vezes são feios ou assustadores, mas tudo bem, afinal, não nasceram para ser um best-seller... Bon voyage"!!
sexta-feira, 18 de março de 2011
Um momento, Bob Dylan, o vento, um pouco de alguma coisa...
Enquanto ouço Bob Dylan tocando suave em minhas caixas de som, e sentido o cheiro de perfume de flores desconhecidas entrando pela porta da sala, vou me perguntando o sentido de algumas coisas. Por exemplo, o sentido de envelhecer e se tornar distante de tudo que eu era, tudo que frequentava, tudo que eu conhecia.
terça-feira, 8 de março de 2011
Minha lista com os dez melhores filmes do cinema de todos os tempos.
Falar em uma lista com as melhores escolhas se trata de algo muito particular. Talvez por isso eu tenha listado a relação dos dez melhores filmes que já vi, e que, direta ou indiretamente, influenciaram minha forma de ver ou interpretar os fatos que me cercam. Obviamente, outras pessoas podem ter uma idéia diferente, escolhas diferentes, mas listei aqui o que o cinema fez de melhor, e o que influenciou o resto do mundo em gênero, estilo, interpretação, direção, roteiro, iluminação, arte, e por aí afora.
Janela Indiscreta.
Porém, num belo dia, o fotografo passa a desconfiar que um de seus vizinhos matou a esposa e a enterrou em seu jardim. Domado por sua paranóia latente e detalhista, ele pede que sua bela namorada, interpretada por Grace Kelly, o ajude a desvendar esse suposto assassinato.
Este filme está em minha relação pois a forma como Hitchcock filma cada cena, a forma como acompanhamos o delírio do personagem principal, tentando desvendar o dia a dia de seus moradores, e o crescente clímax de suspense que se cria, fazem com que você se pergunte muitas coisas a respeito do que está vendo, e das coisas que acontecem ao seu redor, e dos seus próprios vizinhos.
Obviamente, hoje, com toda a tecnologia disponível, os detalhes de um filme de suspense de seis décadas atrás podem não ser tão surpreendentes, mas para os anos 50 do século XX, e para um gênero ainda jovem, foram um verdadeiro arraso.
Lançado em 1956, com o título original Giant, para mim, este filme é grandioso não pelo simples fato de ter no elenco Elizabeth Taylor e James Dean, um roteiro impecável, uma direção de primeiríssima qualidade, além de uma fotografia de encher os olhos. O que mais me marca nesta obra é o retrato dos Estados Unidos na transição do século XIX para o século XX, bem como dos elementos que compõem a caracterização de sua economia e da solidificação de uma nação.
Assim Caminha a Humanidade retrata um mundo a parte do fim do ápice e hegemonia européia, transferida para a América, mais precisamente América do Norte. Um local de muitas possibilidades e oportunidades, com terras fartas, com um povo miscigenado, disposto a tudo para conquistar seu lugar ao sol.
Este filme representa a continuidade da civilização, superando a saturação que a Europa apresentava, para começar o novo. Se quisermos um filme para compreender o que acontece no mundo de hoje, este filme é obrigatório. Sua grandeza está além de toda a qualidade cinematográfica que ele apresenta.
O filme foi dirigido por um diretor extremamente talentoso, George Stevens, além de ter um elenco grandioso, com Rock Hudson, Carroll Baker, Dennis Hopper, além dos citados acima Liz Taylor e James Dean.
Lançado em 1957, e digido por Billy Wilder, Testemunha de Acusação conta com Tyrone Power, Marlene Dietrich, Charles Laughton e Elsa Lanchester no elenco. É, sem dúvida, um dos melhores filmes de tribunal já feito, com interpretações desconcertantes, e com um final mais do que surpreendente.
A história se passa na Inglaterra, e foi adaptada para o cinema a partir de uma peça de teatro de Agatha Christie; tem no elenco a enigmática e fria Marlene Dietrich, construindo uma personagem dúbia, fria, manipuladora, capaz de causar revolta e espanto a qualquer um que a conheça. No filme ela faz Christine Helm Vole, esposa de Leonard Vole, jovem rapaz que é acusado de assassinato.
Como réu, temos o pacato e ingênuo Leonard Vole, interpretado por Tyrone Power, que é acusado de assassinar uma senhora viúva de meia idade, para se aproveitar de seu dinheiro e testamento, apesar de sua aparente inocente.
Para defende-los no tribunal está Sir Wilfrid Robarts, interpretado por Charles Laughton, perfeito no papel de advogado experiente que, apesar da saúde debilitada, aceita defender uma causa quase impossível. Advogado astuto, a caracterização de seu personagem é compreendida de detalhes mínimos que tornam sua interpretação única.
Neste filme, nada do que parece é, nos vemos envoltos em uma trama mentirosa, espinhosa, que parece não ter fim. Mas se trata de um filme com uma cadência perfeita, diálogos eficientes, e narrativa inteligente. Na direção, ninguém menos que Billy Wilder, um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos. Para quem gosta de um bom filme de jurados, tribunal, investigações e reviravolta, é o melhor que se pode assistir.
Um western completo, que transcende a seu gênero. Começamos com um homem da cidade, James McKay, interpretado por Gregory Peck, que chega a uma cidadezinha agrícola do Oeste, para se casar. Homem considerado dócil demais, por conta dos fazendeiros e povo da região, aos poucos tenta provar seu valor e conhecimento, contra o modo aparentemente bruto e rude em que vivem os locais.
O filme Psicose, dirigido por Alfred Hitchcock e estrelado por Anthony Perkins é, talvez, o maior filme de suspense de todos os tempos. Quem nunca viu a famosa cena em que uma mulher é esfaqueada no chuveiro, por uma velha, ao som de uma música insistentemente incômoda, e termina com a vítima arrebentando os ganchos do box de plástico e caindo na banheira, com o sangue escorrendo junto com a água pelo ralo?
O filme foi lançado em 1960, e conta no elenco com Janet Leigh, Vera Miles, John Gavin e Martin Balsan. Do ponto de vista comercial, foi um excelente negócio, pois custou menos de US $ 1 milhão de dólares, mas faturou mais de US $ 50 milhões de dólares em bilheteria. Para a época, foi um enorme sucesso.
Acredito que Hitchcock seja o diretor que mais influenciou e inovou no cinema. Era metódico, sarcástico e com uma visão cinematográfica privilegiada. Como eu já disse, talvez para os dias de hoje, algumas de suas cenas não tenham tanto impacto. Mas, para a sua época, era algo impressionante.
Sua longa e qualificada filmografia faz dele um dos diretores mais importantes da história do cinema. E sua influência teve impacto ao redor de todo o mundo. Apesar disso, jamais recebeu um Oscar como diretor. Isso mostra para mim que, acima de tudo, os prêmios são mais direcionados aos seu rebanho, seus seguidores, e seus investidores, do que da questão estética, da qualidade, e da melhor categoria. Mas, prêmios a parte, este diretor, para mim, foi excelente, e todos os seus filmes merecem crédito.
O Poderoso Chefão.
A maior saga de família de mafiosos foi filmada por Francis Ford Coppola, em 1972, com um elenco jamais reunido em um único filme anteriormente. O filme foi o maior sucesso comercial da época, com um custo aproximado de US $ 6 milhões de dólares e faturando, nas bilheterias, mais de US $ 243 milhões de dólares.
Adaptado do romance de Mario Puzzo, o filme contava no elenco com Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Robert Duvall, Diane Keaton, Talia Shire, John Cazale, dentre outros. Não bastasse o sucesso comercial, o filme recebeu 9 indicações ao Oscar, ganhando 3 estatuetas, a de melhor filme, melhor roteiro adaptado e melhor ator, para Brando.
O que me fez colocar esse filme em minha lista de melhores filmes já vistos é o fato de ser um filme completo em questão de gênero, além de ter uma trama familiar maravilhosa, com a sucessão dos filhos no poder, a briga entre rivais, valores morais e sociais que são distorcidos de acordo com a realidade do mundo em que vivemos.
A saga da família Corleone apresenta o pai, Don Vito Corleone, aqui vivido por Marlon Brando, que controla os negócios ilícitos de uma família de imigrantes italianos nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que tenta se adaptar e viver como se seus negócios obscuros fossem apenas negócios. Contudo, seu poder sobrepõe a própria sociedade, uma vez que eles controlam a máfia, a polícia, o tribunal de justiça, além de ter influência sobre os próprios concorrentes.
O certo e o correto, para a família Corleone, está dentro dos valores da própria família, e não dos valores universais comuns para todos os demais. Contudo, a corrupção do ser humano, diante do mundo, é uma trama paralela, assim como a disputa pelo poder, entre os rivais, e a briga interna, tendo como centro da disputa os próprios familiares. Considerado um filme de máfia ou gângster é, acima de tudo, uma excelente diversão.
Para quem imaginava que a continuação de um filme nem sempre podia ser melhor que a primeira, com certeza reviu seus conceitos com a segunda parte de O Poderso Chefão. Isto porque o segundo filme, que continua a história da família Corleone, consegue ser tão bom ou talvez até melhor do que a primeira parte. Na verdade, não dá pra pensar em um filme sem o outro. E nem faria sentido. É como se os dois filmes fossem uma única obra.
Eles se completam, tanto na história da família, quanto na questão estética cinematográfica. Esta segunda parte recebeu 11 indicações ao Oscar, levando 6 estatuetas, incluindo melhor filme, melhor roteiro, melhor diretor, melhor ator, para Robert De Niro, melhor trilha sonora e melhor direção de arte. Do ponto de vista comercial, o filme também se deu muito bem, faturando quase US $ 200 milhões de dólares em bilheteria.
Aqui, temos duas histórias paralelas; na primeira, a história retorna no tempo, mostrando o início da vida de Don Vito Corleone, agora interpretado por Robert De Niro. Paralelamente, a história segue com Michael, filho de Don Vito, no comando da família, interpretado por Al Pacino. É um filme para assistir quantas vezes for possível.
A maior obra cinematográfica do escritor e diretor Woody Allen, Annie Hall, aqui no Brasil recebeu o título de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", foi um dos melhores filmes de relacionamento já realizado.
Com um estilo particular de filmar, construir os diálogos, e criar os desfechos, Woody Allen é, talvez, o maior cineasta ainda em atividade no mundo. Tendo Nova Iorque como cenário, faz o tipo paranóico escritor judeu-ateu, sempre questionando a tudo e a todos. Os problemas de relacionamento acompanham todas as suas obras, sempre tendo como contraponto a comédia e o drama.
O filme consagrou Woody Allen com o Oscar de melhor filme e melhor roteiro, porém, o diretor não fez questão em ir a cerimônia de entrega para receber seu prêmio. Contudo, sua filmografia é extensa e completa. Nos últimos anos, Allen tem mostrado um senso de humor negro e refinado, com filmes como Match Point e O Sonho de Cassandra, e comédias românticas bem agradáveis, como Vicky Cristina Barcelona. Para mim, o melhor diretor e roteirista da atualidade.
Para mim, o melhor filme de Woody Allen, juntamente com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Contando com Woody Allen no elenco, tem também Diane Keaton novamente, Meryl Strep, Mariel Hemingway.
Aqui, novamente temos como tema o relacionamento. Dividido entre uma jovem estudante de dezessete anos, interpretada por Hemingway, e uma mulher indecisa, irreverente, interpretada por Diane Keaton, Allen faz um escritor de meia idade, saído de um divórcio, e com problemas mal resolvidos com todas as mulheres que conhece.
Tentando conhecer a si mesmo, e sempre se questionando pelo que é certo ou errado, adequado ou inadequado, Allen explora Manhattan não apenas como o fundo de sua fotografia, mas como uma personagem atuante o tempo todo. O filme também é recheado de piadas típicas de Woody Allen, além de ter um elenco de primeira.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Palmeiras 2011: Futebol Brasileiro 2011...
domingo, 14 de novembro de 2010
Final de Fórmula 1: uma pista sem condições de ultrapassagens
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Alonso Campeão e a Ferrari novamente no topo...
segunda-feira, 14 de junho de 2010
O sabor das coisas... e a Copa está aí!
sábado, 29 de maio de 2010
O beija-flor, a garota e a mãe
O vento entrou vagaroso pelo estreito vão da janela. Seu sopro foi o suficiente para fazer bailar a fina cortina de metal em tiras que ameaçavam dobrar, mas que logo entornavam para o lado oposto; isso não foi o suficiente para desviar a atenção de Amália, jovem garota de pouco mais de dezessete anos, que segurava as envelhecidas e enrugadas mãos de sua mãe.
Pelas veias da mão esquerda da velha senhora, a agulha e o soro lenta e mudamente gotejavam, se espraiando como se fossem tapas tentando cortar o líquido atrevidamente dentro do tubo. Estava razoavelmente quente, o suficiente para que Amália segurasse e espremesse um lenço umedecido entre a têmpora e a testa de Dona Amélinha.
Fazia uma semana que ambas estavam ali no leito do hospital, esperançosamente aguardando melhoras. Dona Amélia, 64 anos, encontrara há quase 20 anos a pequenina e rubra garota que fora abandonada dentro de uma igreja, por desconhecidos. Devota, fiel companheira do padre e das missas matinais, foi a primeira a encontrar o cesto de palha, com uma fralda de algodão desbotada e esfiapada. Aqueles olhos espremidos e chorosos expressavam aquilo que a voz, fraquinha, escapava perdida.
Sentiu, no exato momento em que suas mãos tocaram a pele rosada do bebê, que havia uma conexão ali, uma ligação súbita e única. Abraçou para si o cesto como quem agarra uma oportunidade, a de fugir da solidão, a oportunidade de não estar mais sozinha no mundo.
Num primeiro momento, pensou se a pessoa que largara aquela criança talvez estivesse por perto. Ou ainda que a criança tivesse sido roubada dos verdadeiros pais e, num ato de arrependimento, deixara a criança no interior da igreja.
Poderiam ser outras coisas, qualquer coisa, mas ela não pensou em nada. Caminhou, parou, agraciou a criança sem graça ou sorriso, depois continuou, inquieta. Chamou pelo padre, contida, mas o pároco não respondeu.
Dona Amélia era uma senhora viúva, na verdade ficara viúva aos trinta e cinco anos de idade, numa pequena cidade do interior da Bahia. Por ser a cidade pequena demais, e ela já não mais ser uma garota na flor da idade, pensou que um segundo casamento, naquela altura da vida, seria muito difícil, a talvez até inapropriado por aquelas regiões; por conta disso apenas passou a levar a vida.
Se gostava do então marido, isso ela seria incapaz de dizer. No dia seguinte ao velório do falecido, sentiu um aperto no peito; no meio da cozinha, enquanto a xícara de café esfriava calmamente, ela sentiu aquele aperto de quem está sozinho, de quem não divide a mesa para as refeições, do tipo que não divide o cobertor no meio do frio da noite, e esta perda e ausência lhe foi sofrível, profundamente. Se isso era amor, ah, Dona Amélia não se sentia capaz de dizer. Mas foi assim que a vida quis, foi isso que o destino lhe ofertou, e foi assim que Dona Amélia passou a viver.
Mas naquele novo momento diante do altar da igreja suas sofridas e calejadas mãos seguravam algo que poderia modificar a sua vida, talvez uma oportunidade única, a presença de alguém, de um outro alguém, não um marido ou algo do gênero, mas um filho, algo que até então nunca lhe fora possível, algo que nunca havia pensado, algo que nunca havia sentido.
Novamente chamou pelo padre Onófrio, e agora este a ouvira. Mais intrigado que ela, porém menos entusiasmado, o pároco pensou, pensou e pensou. Por se tratar de uma cidade pequena, eles não conheciam ninguém que recentemente dera a luz a uma pequenina garota naquelas condições, talvez alguém de outra cidade, ou de algum vilarejo, quem sabe alguma gravidez escondida, enfim, não se chegou a um acordo ou veredicto.
Por fim, decidiram que o correto seria aguardar, mas sem fazer muito alarde. Não queriam colocar em dúvida ou expor alguma família mais abastada da região, cuja filha tivera um desvio de conduta inapropriado àquela sociedade estreita e moralista, ou ainda que algum senhorio tivesse engravidado alguma empregada, que ameaçada agiu insanamente largando uma criança á mercê da vida alheia.
Mas prometeram um ao outro que acontecesse o que fosse, se alguém reclamasse pela garota, ela seria devolvida aos verdadeiros pais. Ao padre, cabia rezar pela pobre criança; já Dona Amélia, bem, esta levou a menina para a casa e passou a dar todo o cuidado e amor que uma criança merece.
E foi assim, sem mais nem menos, que o tempo passou; a criança ali foi ficando, e ninguém aparecera para reclamar nada. E conforme os dias foram passando, a senhora e a criança foram se embaraçando, se misturando, se tornando uma família.
Dona Amélia, uma senhora simples, que seria incapaz de descrever a paixão entre um casal, e mesmo sem ter gerado uma criança em seu útero, era capaz de expressar e explicar o sentimento de mãe. Descobriu que o amor nasce não na hora em que concebemos, geramos, enxergamos ou tocamos algo, mas sim no decorrer do tempo, na ocupação de um espaço dentro da vida que é capaz de preenchê-la, de resumi-la. Seu simples linguajar não poderia dizer belas palavras, mas seu renovado coração dava todo amor àquela criança, e não havia necessidade de maiores explicações.
Foi assim nas primeiras trocas de fralda, foi assim preparando a papinha, foi assim com o primeiro dia de aula, quando ela, com seu ferro a carvão engomara a blusa de Amália. Sim, a criança teve um nome, um registro, a ausência do pai, a ausência do luxo. Mas teve todas as outras coisas que jamais o dinheiro seria capaz de comprar, parcelar, negociar.
Dezessete anos passaram ligeiros, únicos, embolados, cercados de arranhões nos joelhos, dedos das mãos furados por espinhos da roseira, sorrisos por ver o beija-flor respirar no jardim da casa, a graça e o mistério do primeiro dente “caindo de maduro”, tomar sopa no inverno, usar meias de cores diferentes em cada pé pra dormir, olhar pelo furo do cobertor, enquanto o dia amanhece.
Agora ambas estavam ali, lado a lado. Amélia segurando a mão da mãe, cuidando, preocupada. A senhora quase tossia por completo, com uma exalação forçada, um peso incomum no tórax, um peso físico porém invisível, a perda do controle dos sentidos, da respiração, tudo talvez se resumisse a uma palavra: cansaço.
E não é o cansaço acumulado ao longo dos anos, mas um cansaço que chega sem avisar, no meio da semana, trazendo um desânimo. Os médicos chamam de pneumonia, descrevem certos sintomas e doenças nos livros, além de usarem outras combinações, que na linguagem rotineira do hospital parece normal, mas só quem está acamado pode de fato interpretar seu significado.
E assim, Dona Amélia já não se importava em tremer os músculos da mão. A vida, de certa feita, é injusta. Mas a vida, de certa feita, pode ser bela. Eram suas poucas e sábias palavras, pronunciadas somente a partir “de uma certa altura da vida”. Aquela noite foi longa para ambas, Dona Amélia fazia questão em não dormir, resistia, mas não conseguia. Tirava pequenos cochilos, delirava um pouco, produzia sons desconexos ou palavras soltas, e Amália sabia seus significados, interpretava-os a sua maneira.
Já na metade da madrugada, o calor vazando para dentro da janela, Dona Amélia retomou sua lucidez, de forma temporária e breve. Disse que estava cansada, que ia pra casa, e pediu a Amália que não deixasse a luz da sala ligada quando fosse dormir. Não dava pra desperdiçar dinheiro com a energia, enquanto estava dormindo e não precisava enxergar nada. E quanto ao pequeno jardim na frente da casa, que tinha a tal roseira fura-dedo, ah, deveria aguar tudo sempre, sempre. A beleza do jardim não consistia nas palavras, mas nos cuidados; a bela da rosa não vinha dos livros, mas vinha gratuita, da natureza, desde que cuidada de forma correta, adequada.
Quanto aos homens que um dia viriam a tirar o sono de Amélia, a garota não deveria deixar de dormir. Quem quer que fosse, se a amasse um dia, de verdade, não a faria perder o sono. “Nem por paixão”, questionou Amália à sua mãe. “Quem sabe”, respondeu a mulher, “quando você descobrir, me avise, menina”.
E depois a mulher mais velha dormiu, profundamente, para sempre. A cortina de metal tremeu, contorceu, vibrou, zuniu, esticou e depois aquietou. Somente o som do vento vazando pela janela era ouvido. Amália, ainda segurando a mão da mãe, viu distante um beija-flor bebendo das flores, se embriagando. Talvez fosse surreal, talvez não fosse, o que importava naquele momento? Com o lenço umedecido, acariciou a testa da velha senhora. A noite continuou, sorrateira, triste ou feliz, não importa, apenas a noite continuou.