segunda-feira, 20 de julho de 2009

Reflexões sobre a Educação no Brasil


O texto que virá a seguir foi escrito há, pelo menos, cinco anos. Infelizmente, a situação da educação no Brasil é sim das piores. Possímos uma desordem na organização, nos conteúdos, na proposta educacional, no quadro de professores, na estrutura oferecida, no material didático utilizado, na fiscalização da estrutura que está implantada, nas políticas públicas e privadas.

A partir deste texto, iniciarei uma reflexão sobre as condições da educação, e farei algumas sugestões para melhoria. Longe de mim querer apresentar uma teoria salvadora. Apenas convido a todos para fazer algumas reflexões e buscar uma postura diferente.

Também falarei da interação que a tecnologia e a internet oferecem para a educação, como elas dinamizam e maximizam o aprendizado de forma positiva e eficiente.

A Educação, o Educador e o Aluno


Estudos realizados recentemente sobre índices de educação no Brasil revelam o que todos estão cansados de saber; o país está entre os piores níveis de ensino do mundo. Apoiado em estatísticas assustadoras, o ensino foi colocado em cheque para revelar quais as maiores deficiências e carências de uma estrutura tão improdutiva.

De início, sabe-se que a região Nordeste tem a maior concentração de analfabetismo, tendo Alagoas uma situação em que aproximadamente 50% da população não sabe escrever o nome da cidade em que vive. Numa região dominada por coronelismos, parece haver pouco-caso relacionado à alienação de massa. Uma infeliz observação quando se sabe que o acesso ao estudo estabelece uma relação mínima entre o indivíduo e sua participação diante da sociedade.

Comparado ao ensino de países europeus, por exemplo, percebe-se que o brasileiro não sabe interpretar um texto ou, simplesmente, um enunciado. Um país sem consciência crítica é um país sem argumentos. É preciso esclarecer que o aluno europeu tem uma carga horária de aulas equivalente ao dobro da brasileira.

No Brasil, as escolas públicas funcionam como um suporte para a alimentação. São crianças e adolescentes em busca de um pão com leite e arroz com feijão. Mas isso não é regra. Há, ainda, casos de desvio de verbas de merenda, material didático, material de construção. E pior, casos em que falta a própria escola.

Se o objetivo fosse apontar os problemas, seria necessário escrever milhares de páginas em relatórios intermináveis. Por onde começar então, numa situação surrealista? Pela vocação talvez fosse uma razoável idéia. Cada indivíduo carrega consigo uma parcela de responsabilidade. Fazer é sempre a melhor situação; dias de discussão quando transformados em horas de serviço parecem render mais.

Infelizmente, o que se observa é um número sem fim de professores sem motivação ou inspiração, cansados e conformados. Talvez não sejam culpados únicos, não foram instigados a pensar, ter consciência crítica ou produzir. O sistema educacional é permanente, expansivo, ainda que retroativo no Brasil, em muitos dos casos.

Seria o caso de uma demissão em massa? Contratar outra massa que, sequer distingue escola e escolha? Para formar bons profissionais, despertando interesses, é preciso modificar a consciência, é preciso se envolver, é preciso estar disposto. O profissional tem que fazer a sua parte, porém, não sozinho. O aperfeiçoamento e estímulo devem partir, também, de outras fontes. Dos gestores, responsáveis pela administração pública. Palestras e cursos devem se tornar aliados da criatividade do educador. Teatro, música, dança, feiras de ciências e debates, por exemplo, são meios que apresentam resultados rapidamente. Projetos como a Rádio na Escola, desenvolvido na cidade de São Paulo, envolve alunos e comunidade, o intercâmbio é fundamental.

Neste projeto, em específico, algumas escolas conseguiram doação de material como caixas de som, aparelho de CD e organizam uma programação cuja responsabilidade é do aluno. Eles são treinados por estagiários de cursos de Rádio e Tv, de diversas universidades que aderiram ao programa e, daí em diante, os própios alunos assumem o comando. Uma programação variada que vai desde música até programas informativos, reservando lugar para alunos-artistas expressarem seus talentos. Na cidade de São Paulo espera-se que até o fim de 2003 cerca de 100 escolas tenham rádios organizadas por seus estudantes.

Com a juventude transviada é necessário articular, dialogar, trocar. O profissional, primeiramente, precisa estar ciente das dificuldades. Então se perguntar qual o melhor meio de atingir os alunos, porém consciente que a sala é composta de pessoas tão ou mais desesperançadas que ele. Infelizmente, a maioria aceita o não-fazer. Não fazendo demagogia, um país em que metade de sua população não produz, pensa ou participa, é assinar atestado de estagnação. Reflete diretamente no seio da economia. Por fim, perdemos todos.

domingo, 19 de julho de 2009

A minha madrugada - do harrison ford a internet


Cresci ouvindo e lendo que as madrugadas são um momento de criação único. E que tão bem rimam com solidão, destruição e escuridão. Por mim, não vejo nada de criativo nisso, e vez ou outra fico me perguntando: mas será assim mesmo? Estou pensando agora se sou um companheiro da madrugada, ou se a madrugada é minha companheira. Enquanto vou ouvindo música e lendo algumas coisas (algumas até interessantes, mas como tem porcaria por aqui pra ler), vou aproveitando pra me atualizar sobre coisas diversas (que piada!!), tentando fazer das minhas horas insones algo produtivo.
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Não me perguntem o que é algo criativo. Descobrir uma música nova, uma reportagem interessante, um vídeo instrutivo, ou nada disso. A televisão é bossal na madrugada, não consigo imaginar que alguém possa ligá-la. A não ser notívagos ou madrugadores masoquistas, como eu. Entre uma reportagem de coleção de bonecas, na TV, e um conjunto de música gótica fazendo lançamento na internet, prefiro escrever.
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Harrison Ford fazendo propaganda sobre preservação de animais, aí já é demais pra mim. Vou desligar a tv e ficar só com o computador. Ainda bem que existe a internet. Pra ocupar a vida dos desalmados insones. Ouvindo It´s not my time, do 3 doors down, resolvi prestar atenção no que a música está dizendo: o cara vai se afogar, ele quer que ela a salve, porque ainda não é a hora dele ir. No clipe, começa com o cara se jogando do topo de um prédio, e depois praticando base jump ao longo de todo vídeo pra evitar que uma mulher e uma criança, dentro de um carro, colidam com um caminhão, o cara é uma espécie de um anjo protetor.
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O mais engraçado é que hoje as coisas são assim mesmo. Sem o menor nível, sem o menor sentido, e todo mundo se achando gênio, se achando demais, ou se achando de menos. Pra ambos os casos temos solução. Para os insuperáveis gênios, os prazeres solitários e as legiões de bajuladores, seguidores. Para os depressivos inferiorizados, os estimulantes, os benzodiazepínicos, os grupos anônimos e as igrejas evangélicas.
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Mas, voltando a mediocridade em que as coisas se encontram, vejo um grande exemplo nas propagandas televisas exibidas hoje em dia. Tratam o telespectador como débil. Tudo bem que todo mundo já está sabendo que ninguém mais presta atenção nas propagandas, mas como o nível pode cair tanto? Diferente dessa pobreza criativa, as propagandas pela internet estão, aos poucos, tomando um lugar interessante.
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Capazes de criar uma imagem real e permitir que cada um se aproxime dos detalhes que mais achar interessante, os vídeos em 3D e animações estão começando a interagir com o público. E você tem a possibilidade de ver, rever, mudar o ângulo, a cor, etc. Aqui no Brasil já tem algumas coisas interessantes, muita gente criativa, também alguns sites dos Estados Unidos e da Europa, e até do Japão.
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Ao contrário, não vejo mais como a televisão pode inovar, nem nos rostos, nas vozes e nas bundas. Está sendo a mesma desde os anos 1980, e, como saí da infância para a adolescência no final desta década, estou enjoado desse formato repetitivo, sem interação, congelado. E agora com o excesso de cirurgias plásticas e recursos tecnológicos, se a tv mostrar um close em uma bunda, pode ser a de qualquer uma, ou a de todas, ou a de um robô-andróide, pois está tudo igual, siliconadas e bronzeadas artificialmente, e re-desenhadas pelo computador.
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Ou seja, continuamos com a banalização do corpo, pra aumentar o ibope, só que vendendo corpos hi-tech de andróides. E nos apaixonamos por eles, o que é pior. Buscamos de forma tão exagerada a perfeição e a satisfação pessoal, que já não importa mais se a pessoa ao lado, ou do outro lado da tela (seja do computador ou da tv) seja real, ou um sistema programado para se comunicar comigo de forma inteligente artificialmente.
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A solução ideal seria a de que se ao invés das empresas de cosméticos nos vendessem produtos para nos deixar jovens pelo resto da vida, elas nos entregassem um software no qual pudésemos instalar em nosso corpo e ir nos retocando pelo computador, fazendo downloads e atualizações, seria muito melhor. Descobriram um novo formato para seu nariz, para implantá-lo clique em "fazer atualizações", e pronto. Com um clique e estamos maravilhosos, em forma, jovens, modificando a cor dos olhos como que troca de descanso de tela e papel de parede, e com tudo que há de mais moderno e atual no momento, versão 5.1.
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Quando escrevo, quero deixar bem claro aqui que não estou me referindo a ninguém em específico, nem mesmo a um ou outro grupo, muito menos criticando, etc. Só estou tentando dizer pra mim mesmo o que estou vendo ao meu redor. E talvez minha vista, na madrugada, esteja um pouco embaçada. E entre os vídeos Fly, da Vanessa Camargo com o Ja Rule, Mr Carter III, do Lil Wayne com o Jay Z, Broken Hearted Girl, da Beyonce, e Rehab com a Amy Winehouse e o Jay Z, vejo um faixo de luz vazar pelo vidro da cozinha. Hora de tomar um café, pra esquentar, porque está um pouco frio por aqui e ainda não sei que horas tudo começa e por qual caminho devo ir.


sábado, 18 de julho de 2009

Espaço Literário - Adentro Avanti



Estou utilizando este espaço para publicar meus devaneios literários. Começo com o conto "A crônica que nunca escrevi", de 1998. Não sei ao certo porque iniciar com um texto escrito há tanto tempo, mas sei que este conto tem muita importância para mim. Foi a partir dele que pude dimensionar, no meu imaginário, a relação tempo versus espaço dentro da construção literária.
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Logo, me dei conta da importância de escrever histórias curtas, ou breves. E como elas podem ser interessantes e divertidas. Então, passei a escrever contos quando não queria me prolongar ou até quando estava com preguiça de escrever. "A crônica que nunca escrevi" mostra a agonia de um jornalista em um momento improdutivo. Se passa em um apartamento, no centro de São Paulo, e é narrada pelo próprio personagem, que, pouco a pouco, vai revelando os motivos de não conseguir se concentrar para escrever. Alcoólatra e abandonado pela jovem esposa, ele encontra em seu fiel amigo e gato, Cachimbo, um confidente inigualável para suas noites de bebedeira.
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Recebi alguns prêmios por este conto, o que me incentivou a criar um conjunto de histórias no mesmo ambiente. Na verdade, do apartamento em que se passa esta situação, resolvi percorrer as escadas do prédio, invadindo os apartamentos dos vizinhos, ou mesmo entrando pela janela, sem ser convidado. Como resultado, surgiu o livro "Janelas para Babilônia", que pretendo publicar em breve.

A crônica que nunca escrevi!!



A madrugada já havia invadido a noite, talvez num estupro. Eu me acomodava na mesma velha cadeira marrom dos últimos anos, solitário como a Lua. Um cigarro numa das mãos, noutra o copo servido do velho uísque com gelo, tirado da garrafa vermelha. No terceiro andar, meu refúgio taciturno. Repouso noites a fio, tentando não encontrar os mesmos rostos medíocres e hipócritas que perambulam às ruas imundas, acompanhados de falsa modéstia e cinismo. Apesar da pintura desgastada, é um apartamento razoável, o suficiente.

A velha máquina de escrever na mesa, o carro e as teclas desgastados, vez ou outra enrosca no j ou m; não vou aderir a esta tecnologia imperialista. Sei que dizem ser ignorância, falam da globalização, me chamam de casmurro, que se danem todos.

Ao fundo, na parede também velha, a janela permite a vista da avenida, sempre movimentada e mal pavimentada. Nas manhãs, é por ali que o sol invade. A correria diária se prolonga às tardes como diarréia, pernas mazeladas percorrendo caminhos esburacados. As noites se repetem em amiúdes desgraças.

Às vezes me é possível observar prostitutas e transexuais quase desnudos, talvez perfumados com algum sabonete barato, condensado a cheiro de escarro e esperma. Logo se confundem com marginais, vendedores ambulantes e tiras fardados ou a paisana correndo atrás de cheiradores de cola e de crack, “cobrando pedágio”.

Logo olhando pela indiscreta janela, lembro do mestre do suspense, envolto num grito abafado e silencioso, misturado ao hálito quente na voz rouca que eu tanto..., perdão, os lábios enormes e carnudos que mordiam meu corpo. Sem que se esforce para perceber, tudo ao redor é carregado de passado. Talvez também eu o seja, se tanto, basta olhar os cabelos grisalhos ou as rugas que cercam os olhos deformando o rosto.

As mãos firmes, apesar do pesar dos tempos, nem apanharam o papel quando vozes alteradas e tensas se acusam. Levantei da cadeira, tranqüilo, em direção à janela. Dois homens discutindo e se apontando. A cena, ímpar; dois carros, vidro macetado no chão e lataria afundada. Questionavam o de sempre.

Alguém de fora aproximou, tentou dar razão a um, ao outro, nada. Por fim, a situação parecia controlada, perdi o interesse no caso. Voltei à velha cadeira, a fim de escrever a crônica do dia. Não tinha o que escrever; o gelo quase derretido, o uísque quase todo bebido e o cigarro já apagado; eu estava decadente. Era necessário me recompor, acender outro cigarro, servir mais bebida, se é que restara, e acrescentar gelo.

Novamente fui ao pequeno bar no canto direito da sala, quase de frente à janela, e me servi. Não precisava escolher, o mesmo velho uísque da garrafa vermelha parecia ser a única ali, ainda que existissem outras. Disposto a beber até o último gole, fui esvaziando a garrafa. Ainda se podia ouvir as discussões, mas espera, não me interessava olhar novamente. Caso acontecesse, acabaria o uísque e o cigarro apagaria, e eu teria que levantar e fazer tudo novamente.

Passei desapercebido pela janela. Sentei em frente à máquina e dei uma tragada. Peguei a folha ainda branca e, antes de colocá-la na máquina, um gole. Sem ter o que escrever percebi a fumaça que subia reta saindo do cigarro e logo acima se perdia no ar, tanto a da minha boca quanto a do cigarro. O uísque me pareceu mais interessante. Outra tragada, seguida de outro gole. Enquanto marcava a margem, prosseguia a discussão que da avenida subia reto à janela do meu apartamento e, em seu interior, se perdia ecoando pelos cantos da sala.

Levantei da cadeira novamente, domado pela curiosidade. Fui à janela observar os ares impuros da madrugada, sem ver a confusão, insistindo em continuar. Olhei o céu, escuro, algumas estrelas mantinham um brilho fosco. Logo se percebia uma madrugada tímida e solitária. Ventava pouco, a temperatura quase agradável e ali, um tanto ébrio, a solidão se fazia minha companheira.

Voltei da janela, talvez aliviado. Cachimbo estava no mesmo lugar de sempre, ao pé oposto da mesa onde eu sentara, deitado sobre o tapete vermelho. O que posso falar de tal bichano sossegado? Quase não dá trabalho! Basta colocar comida duas vezes ao dia e lhe fazer um punhado de carinho no final da tarde. Nunca é mal agradecido, nem esconde minhas revistas e jornais. Não se importa com o canal de televisão ou com a estação de rádio. Ouve qualquer tipo de música e não faz comentários durante ou no intervalo dos filmes. Por esse motivo me é mais agradável a companhia de um gato, e não a dela. Ela. Mesmo que não quisesse falar sobre, seria impossível não percebê-la entre os cômodos. Pra tanto, basta olhar o quadro no corredor, um exagero! Pudera, com tanta beleza, logo quis modificar a decoração, mulher tempestiva! Seu perfume invadia a casa logo que entrava pela porta ou saía do banho, com a pele rosada e os cabelos molhados se deixando escorrer pelo rosto.

Agora resta o mofo nas paredes do quarto e um gosto azedo na cozinha. Mas não posso viver de saudades, e tenho que escrever a crônica para o jornal. Pior! Tenho que levantar às seis da manhã. Com tantos compromissos, não resisti a outro gole e tragada. Tento me concentrar e escrever algo, pudera, ouço sirene! A discussão permanecia. Talvez um tiro, dois, a situação parecia piorar. Agora vozes que, talvez nítidas, anunciavam voz de prisão.

- Mãos na cabeça!

Lamentável o português errado e vulgar que se podia ouvir. Ignorância pura ou era um polvo defeituoso. Outro tiro, que silenciou e esvaziou o local. Não tardou para que a sirene voltasse novamente. Olhei para Cachimbo, que me re-olhava intrigado. Não muito, pois baixou a cabeça e voltou a dormir. Continuei a olhar à máquina. O papel, ainda branco, já não suportava mais ficar preso e contorcido naquele carro de metal. Nem ao menos a data, o título, a idéia. Eu estava evasivo.

A sirene permanecia, a discussão baixara o tom, era possível ouvir algum vizinho mais desesperado e mula manca berrar silêncio, ou trancar as janelas. Após anos morando neste cortiço, confesso estar acostumado a tais cenas. E pensar que, com tantas coisas, nada em mente para transformá-la num texto. Talvez medíocre, como os escritos das noites anteriores, mas a inspiração não me vinha.

Sei que o pessoal da redação anda comentando, um zunzunzum dizendo que escritor e jornalista velho nem sempre é como uísque, mas não estou a ponto de me preocupar com tal posição. Apenas estou intrigado com a qualidade dos textos que deixaram a desejar nos últimos dias. E falando em uísque, olhei para o copo, vazio. Se cada vez que iniciasse o texto tivesse que interromper para buscar algo, jamais a crônica seria escrita. Logo voltei com a garrafa e uma porção de amendoim torrado. Coloquei-os ao lado do maço de cigarros e, enfim, estava decidido a iniciar a crônica.

O dedo já pronto a disparar a letra f e, um ronco de motor, gritos abafados e um automóvel apressado com os pneus gritantes me furtaram. Novamente olhei para Cachimbo, que dormia um sono leve. Com certeza não estava preocupado com as crônicas do dia seguinte, que seriam publicadas no seguinte ao seguinte. Já o uísque não surtia efeito, o cigarro apagava-se entre fumaça e esquecimento. Restara o quadro na parede, bobagem, restara a janela, silenciada. Painéis acesos, poucas luzes de néon, uma ou duas almas vagando pela calçada se arrastando embriagadas e sem destino, e um táxi amarelo que rapidamente virara à esquerda. Com certeza ia em direção ao Bexiga. Chega! Atingi o limite da mediocridade! Além de não escrever, tentava adivinhar o percurso dos táxis e ambulâncias que rapidamente cruzavam a avenida.

Ao longe, a banca de revistas era visível, fechada. Somente às cinco da manhã abriria. Quantas tantas vezes eu ficava da janela a olhando andar dengosa, comprando revista de moda, querendo ser elegante para que pudéssemos jantar fora.

Ainda restara algum tempo, umas quatro horas. O suficiente para um bom cochilo. E por falar em banca de jornal, me lembrei da crônica, que não estava pronta. Logo viriam à minha porta, lá pela seis horas.

Talvez como Gregor Sansa, eu me transformasse num inseto e não conseguisse levantar da cama. Não precisaria abrir a porta e, não que a crônica não estivesse pronta, porém ficaria impossibilitado de entregá-la. Com certeza iriam embora e jamais voltariam. Ou voltariam mais tarde ou no dia seguinte, e logo desistiriam. Olhei para Cachimbo, que novamente me olhara. Não sei se pelo excesso de uísque, Cachimbo balançou a cabeça negativamente e voltou a dormir.

Já aceitava e talvez devesse agradecer, ela não mais retornaria. Estava decidida em sua última carta, mulher geniosa. Talvez pela diferença de idades, ela ainda uma jovem com a vida pela frente; eu, um velho beberrão e mal humorado que tentava ensinar-lhe os truques do mundo. Ninguém sabe os truques do mundo.

Uma das mãos na quina da janela, a outro segurando o queixo, posição que não me inspirara nunca, apenas uma falsa alusão aos bustos de praça. Num instante minha atenção fora roubada. Olhei, em princípio assustado, logo tentei me recompor. Olhei novamente. Não poderia ser possível, diante dos meus olhos daquela maneira. Alguém também deve estar vendo, me perguntei comedido. Caso contrário, seria necessário contar. Foi num estalar que me veio a idéia. Olhei às janelas do prédio, nenhum mula manca olhando à avenida. Corri à mesa, sentei, um gole antes de escrever, para estar preparado.

Espaço, espaço...espaço. Palavras, pá-lavras e pála-vras. Algumas ficaram por aí, vagando alcoólatras. Ainda faltava o título, faltava mais, eu precisava descrever. Outro gole. Já não restara tempo para acender outro cigarro, o texto parecia interessante e ébrio, apesar de absurdo. Levantei, corri à janela e olhei. A inspiração vinha à tona. Voltei à cadeira, junto à mesa, e mais pá-lavras.

As mãos escreviam como se tivessem vontade própria. Fixei os olhos por instantes, as imagens invadiam minha retina com vibração, as luzes eram reluzentes, nem ao menos um piscar. Ponto parágrafo. Nem percebi se Cachimbo ainda dormia, com certeza sim. Como um pintor observando sua inspiração e a descrevendo, não com tintas, com letras, todas vivas e, logo aconteceria o último ponto, o Final.

Mas eu não encontrava o triunfante desfecho. Não encontrava realidade suficiente que desse credibilidade aos escritos. Era necessário terminar a crônica, mas como? Li, reli, e nada! Voltei à janela, esta não me desapontaria, salvadora janela, e...e...já não estava mais lá. Desabei!

Alguns instantes não me foram creditados. Como? Onde? Por quê? ??? Havia desaparecido! Como, se há instantes...??? Restara voltar à mesa e terminar de contar... mas o quê contaria? Jamais diriam ser verdade, tal absurda história. Pensei em descer e procurar melhor, talvez não conseguisse ver da janela. Talvez tivesse afastado, poderia estar por ali, nada adiantaria. Voltei à máquina, retirei a folha, peguei o texto com uma das mãos e o esmaguei. Logo em seguida caminhei em direção à janela. Ouvi uma voz ao fundo, que dizia para que não fizesse aquilo, mas eu estava decidido!

- Alguém há de acreditar, não faça isso!

- Cala a boca, voz maldita! Ela nunca mais vai voltar!

Já estava decidido. Olhei para a janela, o silêncio, passos pela calçada, a banca de jornal fechada, outro táxi, que desta vez virou à direita, tudo como sempre, e faltava algo, que há pouco eu vira e desaparecera. Não importava mais. Coloquei a mão fora da janela e a abri. Lentamente o texto foi caindo. Não cheguei a vê-lo chocar-se contra o chão. Todas aquelas palavras esmagadas. Voltei, com um sorriso cínico. O texto fora assassinado. Agora seria impossível entregá-lo. Olhei para Cachimbo, que dormia continuamente.

Decidi pelo mesmo. Noutro dia, talvez uma desculpa, ou a verdade. Logo me perdi no corredor. Deixei para trás o maço de cigarros, a velha máquina, a janela aberta, as luzes acesas, o quadro e outros pormenores. Apenas passei a mão na garrafa de uísque e a levei ao quarto, boa companheira. Cachimbo percebeu e logo veio atrás, sem alarde. Então um silêncio invadiu por quase completo e uma ponta de curiosidade veio, perguntando para onde teria ido. Fechei os olhos, resisti. Finalmente o sono!